domingo, 12 de outubro de 2008

O segundo turno

Por que não podia ser mais simples? Por que não bastava dizer "prefiro este", "prefiro aquele", "prefiro eu a eles"??

Ok, eu explico. Em capítulos - se vocês querem saber todos os porquês, eu preciso de tempo e espaço para colocá-los aqui (e em versão resumida!). Afinal, como já me cobraram alguns, é preciso levar em conta "o momento histórico", etc. Então lá vem história.

Eu não vou sumir, como disse – brincando – à Folha. Não vou meditar em Fernando de Noronha, nem em Três Coroas (bem que preciso, mas fica para depois). Não vou ficar inerte, muito menos o meu partido.

A trajetória do PPS nos últimos anos é evidente – em São Paulo como em Brasília, rompeu com o PT. Foram aliados até alguns anos atrás; o PPS participou da campanha do Lula em 2002 e da Marta em 2000. Mas chegou à conclusão que o PT estava afastado demais de seus ideais de esquerda, da conduta que o partido sempre defendeu, e passou a lhe fazer oposição. Em 2004 e 2006, apoiou a chapa tucana à prefeitura e à presidência da República. (E embarcou em um anti-petismo que me incomodou muito, como na propaganda em que um ator trocava a estrela pelo nariz de palhaço. Argh).

Eu fui petista a vida toda. Nos tempos de ditadura, seguindo o pensamento da minha mãe e das freiras do colégio, me identificava com a oposição. Do alto dos meus 9 anos, já tinha uma opinião firme: contra a ditadura, a tortura, a repressão, a concentração de renda, a injustiça. O discurso do patriotismo fanático, da segurança nacional, da “ordem e progresso”. Os que eles (os militares) chamavam de “subversivos” eram quem eu olhava com admiração. Gostava do Henfil, do Chico Buarque, Dalmo Dallari, Claudio Abramo, Aloísio Byondi, Dom Helder Câmara e Dom Pedro Casaldáliga. Do Marx e do Che. Dos guerrilheiros de El Salvador e da Nicarágua. Do ETA, do Sendero Luminoso, do IRA. Dos Panteras Negras. Dos metalúrgicos do ABC.

Reconquistados os direitos civis e políticos, restabelecida a democracia, logo surgiu o PT, formado exatamente por algumas das pessoas que eu mais admirava nessa história toda. No começo, ainda fiquei um pouco desconfiada dessa novidade toda – Lula candidato ao governo, será? O MDB tinha sido o “meu partido” até ali. Mas logo concluí que eu queria a “novidade toda”, e decidi “votar no Lula” (ainda não tinha idade para isso, e não consegui convencer minha mãe, que ficou com o Montoro). Virei petista, “para sempre”.

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Ao longo dos anos, militei pelo PT de tudo quanto é jeito – exceto “organicamente”. Defendia o partido no colégio, na família, no trabalho, no ônibus. Participava de debates no Sindicato dos Artistas. Comprava minhas estrelinhas e fazia campanha eleitoral nas escadas do Objetivo. Comparecia às manifestações que o partido convocava. Mais tarde, na televisão, pautava temas de esquerda nos debates, como a reforma agrária, e convidava representantes do PT para a mesa, para defender “nosso” lado nas discussões (claro que eu convidava o outro lado também). Acompanhava os posicionamentos do partido em relação aos grandes temas nacionais e internacionais; me orgulhava do desempenho dos nossos parlamentares. Onde havia um rolo, uma denúncia, uma bandalheira, era seguro: o PT estava do outro lado.

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Em 2003, à beira de mais uma depressão, com um desânimo profundo em relação ao mundo, a política, a sociedade civil organizada, a mídia, os movimentos sociais, o diabo, resolvi sair candidata a uma vaga na Câmara Municipal. Pelo PT, óbvio. Como o apoio decidido e decisivo do Alexandre Youssef, então Coordenador de Juventude da Prefeitura.

Eu não era movida a ilusão, mas des-ilusão. Desgosto, raiva, amargura. Queria entrar na política porque não suportava mais o poder limitado da militância fora dela, tanto quanto não suportava a falta de noção, comprometimento e sensibilidade da própria. “Você vai abrir mão do poder e prestígio que já tem para se meter naquele antro?”, ouvi de vários colegas.

Que poder? Que prestígio? O que eu consigo mudar de fato com um programa na televisão a cabo (ESPN), uma coluna no jornal (no caderno Esporte da Folha) e uma participação na programação esportiva das rádios Globo/ CBN? Ok, comunicadores podem influenciar muito – a população e os políticos – mas eu queria poder fazer mais do que isso. Ao menos por quatro anos (ou no máximo por quatro anos), quis dedicar minha vida à militância política em tempo integral, dez ou mais horas por dia, comandando uma equipe. O Youssef apareceu com a sugestão de eu sair candidata exatamente quando eu estava inclinada a isso, e coordenou a minha campanha.

Eu e ele compartilhávamos uma visão crítica, cética, sobre o velho “modelão” da política – ou os velhos modelões, porque havia vários figurinos diferentes, mas todos eles nos incomodavam. O do fanatismo partidário ou de classe, em que é sempre “nós do bem” contra “eles do mal”, e o do fingimento, conveniência, amorfismo. O modelo da rigidez absoluta, a intransigência, o apego a dogmas, e o da total falta de identidade, rigor, convicção. No PT, como em qualquer lugar do mundo, havia as duas coisas. Tínhamos de lidar com elas o tempo todo.

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A Marta, então prefeita, apoiou a minha candidatura. Recomendou atenção especial para ela aos coordenadores de sua campanha. E me fez recomendações muito a proprósito: “Não vai se acotovelar disputando espaço em comício, porque você não ganha nada com isso. Teu público é outro. O partido vai querer que você vá, mas não precisa. Faz a tua campanha como você está pensando – debates em escolas, por exemplo”. Ótimo.

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Essa “atenção especial” começou a gerar meus primeiros desconfortos no partido. Porque eles tratavam com a maior naturalidade, por exemplo, a contratação de lideranças comunitárias para fazer campanha para mim. O problema é que o serviço não era acertado por horas trabalhadas, mas sim por “produtividade”: “Eu tenho cinco mil votos nesta região da cidade. Quero quinze mil reais para trabalhar você lá. É garantido, você pode ver depois os votos naquela Sessão”.

Não, o PT não é o único a fazer isso. CLARO que não. Mas o PT era o meu partido, e eu não queria que ele fizesse as coisas desse jeito.

Ao longo da campanha, outros pontos de atrito foram aparecendo. Queriam me dar dez mil bandeiras de poste - “Não quero, eu sempre critiquei isso, vou fazer igual?”. “Então você não vai se eleger...”. “Eu sei que, com faixas pela cidade, eu posso ganhar alguns votos – mas também perco outros. Não quero”. Era visível que eles me consideravam, por vários motivos, uma barca furada, um investimento perdido.

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Eu me elegi com folga, para surpresa de muitos (que torciam a meu favor ou contra mim). E comecei a ter meus primeiros contatos com a bancada do PT na Câmara.

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A essa altura, eu sei, todo mundo já leu nos jornais qual é o fim da novela. Muito mal contada, é verdade, mas já volto a isso. Agora vou conitnuar relembrando a história toda assim mesmo - de como saí do PT depois dele ter sido meu partido a vida toda.

O capítulo anterior terminou no ponto em que eu comecei a conviver com a bancada do PT na Câmara Municipal.

Um dos primeiros contatos que tive foi com um vereador que me chamou para explicar um pouco como as coisas funcionavam por aqui. Em conversa informal na sala dele, me descreveu alguns colegas. "Fulano é um barato. Se você fechar com ele por 100, não adianta vir alguém oferecer 200 - ele tá fechado com você e acabou, não tem conversa".

Fiquei morrendo de medo de perguntar se aquilo era só modo de dizer ou a descrição de uma situação real. Ele parecia se divertir com o personagem - que estava mais para "inimigo histórico" do que "um barato", mas enfim...

Seguiram-se outras descrições: "Aquele disse que ia votar em um candidato à Presidência da Mesa e, no dia seguinte, votou em outro. Virou um pária na Casa. Não aprova mais nem nome de rua. O que não se suporta aqui é traição".

Como assim, "virou um pária"? "Não aprova nem nome de rua"?. Então é assim que funciona - o projeto é aprovado se o vereador estiver bem na fita com os colegas? E se ele tivesse algum projeto bom? Os outros vereadores todos concordaram com esse "banimento" do "pária"?

Outra informação: "Fulano, você conhece?, é bispo. Mas se você pagar, ele aprova até a liberação da maconha". E o vereador ria, se divertia.

Saí da sala dele arrasada. Pensando: "Será que as pessoas que diziam que eu não devia me meter neste mundo tinham razão? Será que é uma panela da qual todos fazem parte, de um jeito ou de outro?"

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Pouco tempo depois, fui convidada para uma reunião das bancadas do PT - a de 2004 e a que tomaria posse em 2005 - para discutir alguns posicionamentos na passagem do governo Marta para o Serra.

Um dos temas em pauta era a votação do Orçamento.

Com a presença da prefeita, discutiu-se a "margem de remanejamento" - quanto o Executivo pode mexer no orçamento depois de ele ter sido aprovado pela Câmara. O governo sempre quer poder mexer muito; a oposição quer que o governo respeite ao máximo o texto da lei.

A Marta tinha uma margem de remanejamento de 15%. O PSDB esbravejava, dizia que era um absurdo, que com isso a lei orçamentária era uma peça de ficção, porque no fim a prefeita podia mudar tanto que faria o que bem entendesse.

Prestes a assumir a prefeitura, o PSDB já se preparava para defender o contrário (ê, laiá). E o PT... idem. "Ah, os tucanos queriam que o governo só tivesse margem de 5% de remanejamento? Então que seja! Quero ver agora!". Alguns vereadores do PT reagiram, como o Odilon Guedes, hoje no PSOL: "Olha, eu SEMPRE defendi 5%, inclusive no nosso governo. Mas quem defendeu 15 vai começar a defender 5 de uma hora pra outra?". Outros também questionaram a incoerência. Marta foi super dura. "Eles [os tucanos] vão ter o que pediram".

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Dias depois, houve uma reunião com vereadores de outros partidos para definir nossa posição na eleição da Mesa da Câmara, que aconteceria no dia 1º de janeiro de 2005. A idéia, claro, era derrotar o governo. Eu estava totalmente de acordo. Por que quereria que um vereador ligado ao Serra presidisse a Câmara?

O candidato tucano era o Ricardo Montoro. O nosso era... um vereador do Centrão.

Aí eu não entendi nada.

O PSDB tinha 13 vereadores, o PT também. Eram as duas maiores bancadas. Por que o PT não tentaria eleger um candidato seu?

Na reunião estavam presentes quase todos aqueles vereadores que o colega do PT havia descrito para mim naquele encontro...

Estávamos assinando juntos um compromisso para a eleição da Mesa Diretora. Não acreditei que, no meu primeiro ato como vereadora eleita (mas não empossada), eu estava colocando minha assinatura em um documento junto ao Agnaldo Timóteo, Wadih Mutran, Átila Russomano (eram todos do PP), Toninho Paiva, Bispo Atílio e outros que não me pareciam nem um pouco identificados com a ideologia e postura do meu partido.

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O dia da eleição da Mesa foi um horror. Um constrangimento e tensão monstruosos.

A eleição estava empatada em intenção de votos. Carlos Gianazzzi, do PT, não se conformava com o fato do PT abrir mão de uma candidatura própria para apoiar um vereador do Centrão para a presidência da Mesa.

Gianazzi lançou-se candidato. Com isso, sobraram 27 votos para cada lado (são 55 vereadores). Em caso de empate, seria eleito o mais velho da Casa - e o lado de lá (do governo) tinha o mais velho.

A sessão ficou suspensa nesse impasse. Votação na Câmara é assim: só começa quando já se tem certeza do resultado... Eu, desesperada, olhava para o lado dos nossos aliados e não gostava nem um pouco da turma. O que me consolava é que o lado de lá também não me agradava (grande consolo!)

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No meio da tarde, Roberto Trípoli, do PSDB, apareceu oferecendo o "28º voto" para a nossa chapa - "Desde que seja eu o candidato a presidente". Imediatamente se produziu uma onda ruidosa no anexo do plenário, onde estávamos reunidos: "Sim! Vamos lá! Abre a sessão! Tá todo mundo aqui? Quantos temos? PT? PTB? PMDB? Vamos votar, vamos votar!"

O PT se reuniu rapidamente e fechou questão, seguindo o rito previsto nos estatutos do partido. Membros da Executiva Municipal testemunharam o acordo, e ficou definido que votaríamos todos, obrigatoriamente, na Chapa da oposição.

E lá fomos nós, eleger, junto com o Centrão, um vereador tucano para a presidência da Casa - tudo em nome de "impor uma derrota ao governo", frase que eu escutaria muitas vezes.

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Morri de vontade de votar no Gianazzi, o candidato "de si mesmo", já que o PT não teria um. Mas eu estaria, com isso, dando a vitória ao candidato do governo... Como pode isso? Votando no PT, eu prejudicaria a estratégia do PT na oposição. Mas o Gianazzi parecia estar certo!

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Elegemos o Trípoli presidente. Revoltados, os governistas se retiraram (PSDB + partidos aliados + 2 vereadores do PTB - eleitos na coligação do PT. É tudo um caos mesmo). Ficaram os 28 da oposição no plenário.

Fomos elegendo os demais candidatos à Mesa - Vice-Presidente, Primeiro Secretário, Segundo Secretário... Para um dos cargos, o candidato era o Agnaldo Timóteo. Não, eu não podia votar nele para a Mesa Diretora, de jeito nenhum. Eu esperava que ele não se elegesse vereador - pelo desempenho como deputado; pela defesa apaixonada da ditadura militar e do malufismo; pela conduta durante a campanha. Como eu poderia ser eleitora dele para um cargo na Casa?

Avisei a chefe de gabinete da Liderança do PT. Ela entendeu perfeitamente a minha resistência. Na hora, sem saber muito o que fazer, disse: "Sai do plenário, vai para o banheiro. Eles vão te chamar, você não vai estar e tudo bem. Só tem a oposição aqui mesmo... Ele vai ser eleito de todo jeito".

Assim fiz, tremendo de ansiedade, angústia, aflição. Meu primeiro dia na Câmara, e eu ia me esconder no banheiro para não ter de seguir a bancada em uma votação!

Mas não deu certo. Sem mim, não havia quórum mínimo para a votação (28 votos). Foram me buscar no banheiro... "Mas eu NÃO POSSO votar no Timóteo. Como eu vou explicar isso para o público? "Fui obrigada"? Como posso ser obrigada a votar assim ou assado?"

Deliberaram rapidamente e decidiram: "Você pode se abster. A votação terá quórum e ele será eleito de toda maneira".

Fui ao microfone de aparte. Uns quatro ou cinco vereadores do Centrão me cercaram: "Por favor, vote com a gente. Por que não? Por que isso? Não muda nada, vote nele". Mas a chefe de gabinete do PT me bancou - "É uma questão pessoal dela, vamos respeitar".

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Eleita a Mesa, faltava eleger o Corregedor. O candidato era o Wadih Mutran. Eu disse que também não poderia votar nele. "Mas ele foi da base da Marta!". "Eu sei - e do Maluf, do Pitta... Vou me abster outra vez". Outro vereador do PT disse "Eu também vou!". Um colega ralhou com ele - "Não inventa. Você não é a Soninha". Demorei um tempo para aceitar aquilo como um elogio, mesmo que não fosse a intenção... A idéia era mais de que eu era "café-com-leite". Foi com o tempo que eu virei a "independente", "rebelde", "vendida" ou "traíra".

***

Ao longo dos meses e anos, fui ficando cada vez mais desconfortável na Casa. Ao mesmo tempo em que me orgulhava do fato de o PT se comportar como bancada, fazer reuniões toda semana, analisar profundamente os projetos em pauta, não me conformava com duas coisas: 1) Várias vezes, a assessoria da bancada, super qualificada, avaliou um projeto do Executivo como "muito bom" - "Aliás, nos iríamos propor alguma coisa nesse teor também, caso tivéssemos vencido a eleição". Ou: "Porto Alegre fez lei parecida, Santo André também" (em prefeituras petistas). Aí vinha o "encaminhamento da estratégia política": "Vamos obstruir. Esgotados os mecanismos de obstrução, vamos votar contra". 2) Às vezes, depois de muita discussão, o PT chegava a uma posição favorável à votação de um projeto. "Mas agora precisamos ver se o Centrão concorda com esse encaminhamento".

Eu ficava doida da vida em um caso e outro. "Se o projeto é bom, por que vamos obstruir?". Um desses casos era o projeto que criava mecanismos para combater a sonegação de ISS. "É que os tucanos só pensam em eleição. A obsessão deles é eleger o Serra presidente em 2006, então querem aumentar a arrecadação para ter caixa em ano eleitoral. Nós não podemos permitir isso".

(E agora o PT vem dizer que a prefeitura "nada em dinheiro" graças à política econômica do governo Lula... Se dependesse da bancada do PT em São Paulo, a arrecadação teria aumentado muito menos. Foram várias obras de engenharia financeira - nisso os tucanos são bons - que trouxeram a prefeitura de volta para o azul, porque receberam o caixa escandalosamente no vermelho. Eu gosto do vermelho, mas não esse).

E não me conformava com a necessidade desse aval do Centrão. "Nós temos 13 vereadores. O PSDB tem 13 e mais alguns da base do governo. Se achamos que o projeto é bom exceto por um ou outro ponto, por que não negociamos essas alterações com o governo como condição para o aprovarmos?". "Ah, os tucanos não vão querer mudar nada... Precisamos do Centrão para resistir ao governo". "Resistir? É claro que o Centrão será governista assim que suas reivindicações forem atendidas, e aí o projeto vai passar do jeito que estiver, com ou sem alterações".

"Soninha, você não entende... Nós precisamos do Centrão para fazer a defesa do governo Marta e impor uma derrota aos tucanos".

Foi dose. Meses e meses de irritação, desgosto. Eu saía das reuniões da bancada, contava aos meus assessores o que tinha acontecido, eles não se conformavam.

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Eu não era a única a espernear.

Houve uma ocasião, por exemplo, em que a liderança da bancada do PT propôs uma emenda ao um projeto de lei "reduzindo, em 4 anos, todas as alíquotas de ISS a 2%" (que é o mínimo permitido).

"Os tucanos puseram o rótulo de Martaxa e prometeram reduzir impostos. Então quero ver!"

Uma parte da bancada protestou:

"Olha, eu espero que um dia o PT volte à prefeitura... Com esse corte no ISS, a arrecadação vai diminuir muito, São Paulo fica ingovernável!".

"Ora, o prefeito que vete o projeto - e fique com o ônus de ter sido contra uma redução de impostos", disse o autor da emenda.

Outros continuaram discordando da idéia. "Olha, eu sou de esquerda, eu gosto de imposto... A gente tem de arrecadar para fazer investimentos, para fazer política social...". Outro disse: "A gente tem de usar mecanismo da redução de impostos com muito critério, como incentivo a determinadas atividades, por exemplo. Se você reduz o imposto de todo mundo, perde essa possibilidade e ainda incentiva setores que não precisam, não merecem ou não interessam tanto do ponto de vista da coletividade".

Eu concordava com eles todos, mas muitos insistiram na aprovação da emenda. Até que o Arselino Tatto, o último a se manifestar, desempatou a disputa: "Projeto ruim, demagógico, sou contra". Ufa.

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Mas continuávamos "casados" com o Centrão. Durante o governo Marta, a aliança era em nome da "governabilidade", para poder aprovar os projetos que interessavam à cidade - aos quais o PSDB fazia oposição fanática, jogando o governo nos braços da direita... E agora fazíamos a mesma coisa?

O pretexto era a "defesa do governo Marta". "Que defesa?". "Ora, Soninha, os tucanos vão querer nos atacar de toda maneira, propondo CPIs oportunistas, como aquela do túnel... Reprovando as contas da prefeita... Precisamos do Centrão para barrar essas tentativas".

"Mas o Centrão vai acabar passando para o lado do governo!!!".

"Tsc, tsc". Meus colegas abanavam a cabeça, chegando à conclusão de que eu não tinha mesmo jeito para a política.

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Vou ter de pular algumas partes, senão esta história não termina nunca.

Em 2005, fui chamada para uma reunião com a ex-prefeita. Pauta: "Discutir nossas ações de oposição em São Paulo". Eu fui, claro. Quando cheguei, a reunião já tinha começado.

Na verdade, estava-se discutindo a estratégia de campanha da Marta nas prévias para definir o candidato do PT ao governo do estado. Várias pessoas sugeriam argumentos a serem usados contra Mercadante, o outro pré-candidato. "Ele não tem experiência administrativa" era o mais básico deles.

Fiquei passada. Eu tinha decidido me manter neutra nas prévias, mas a verdade é que preferia a candidatura do Mercadante - só não ia me manifestar, porque essas disputas internas freqüentemente terminam em fratricídio.

Pedi licença e saí antes da reunião terminar.

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Alguns dias depois, Marta me chamou para conversar com mais calma. "Quero saber como você vai participar da minha campanha".

"Eu não quero me envolver... Não gosto de entrar nessas disputas internas. Vou apoiar o escolhido pela maioria, pronto".

"Mas se você não me ajudar, estará ajudando o Mercadante!".

"Bom, eu acho que ele pode ser um bom candidato".

Discutimos feio. Ela não se conformava. Sentiu-se traída - e, felizmente, disse isso na mesma hora (prefiro assim).

"Por que você não me apóia?". "Embora a gente tenha muitas coisas em comum, como a defesa de algumas bandeiras consideradas "polêmicas", e o fato de termos passado pela mídia, eu discordo muito do modo de agir de algumas pessoas muito próximas a você. O jeito de fazer política é completamente diferente do meu".

"Quem?"

"O Antonio Carlos Rodrigues, por exemplo".

"Ele é ótimo! Foi muito importante para o nosso governo".

"Mas o jeito dele fazer política é completamente diferente do meu! Eu não concordo com essa coisa do "apoio incondicional", da reciprocidade absoluta... "

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Alexandre Youssef, ainda meu chefe-de-gabinete àquela altura, ficou preocupadíssimo com minhas relações no partido. "Alê, o Mercadante também é do partido! O que adianta a gente ter um processo democrático de escolha do candidato se for "proibido" de fazer escolhas?". "Mas a Marta te ajudou, te apoiou...". "Eu não posso querer que ela seja a candidata do PT ao governo do estado porque "me ajudou"! Eu tenho de ter o direito de escolher o Mercadante". "Mas você ia ficar neutra!". "Ia, mas eu tive de assumir uma posição porque a Marta estava me convocando para a campanha dela. Não vou fazer campanha para o Mercadante, mas não podia deixar de dizer a verdade - que ela não é minha candidata".

Lembrando disso agora, dá uma sensação de déja-vu...

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Alguns jornalistas escreveram que "ao contrário do que disse ao longo da campanha, Soninha apóia Kassab". Ou publicaram suas manchetes: "Soninha vai de Kassab".

Nã-ni-na.

Exatamente como disse o tempo todo, eu não vou participar da campanha no segundo turno. Mas o meu partido, como era de se esperar, estará em oposição ao PT.

E eu concordo com essa (o)posição.

Passei a vida toda no PT. Nesta história em capítulos, fui revelando como cheguei à conclusão doída de que o partido não era mais o meu... Não era mais aquele do qual eu tinha orgulho, que eu defendia com a maior convicção.

O PT adotou várias estratégias de vale-tudo - no governo (fazendo concessões e negociações absurdas com os partidos da "base aliada"), na oposição (aqui em São Paulo, onde eu vivo), nas campanhas eleitorais (prévias, eleições internas, disputas por cargos, etc.). E em vez do rigor esperado para combater os abusos, o partido oscilava entre a negação ("é tudo um complô das elites!") e as justificativas ("todo mundo faz assim"; "a política é podre, o sistema tem defeitos, não tem outro jeito"). O rigor que sempre tivemos com os outros não dava as caras em relação a nós mesmos.

Alguns no partido se indignavam, envergonhavam, se deprimiam. Mas a maioria, ao menos aqui em São Paulo, batia no peito e dizia "nosso dever é defender os companheiros!".

Eu sempre acreditei que é preciso defender quem merece ser defendido... Houve acusações injustas, distorções e exageros ridículos. Eu fiquei possessa com as edições nojentas do "relaxa e goza" com as imagens do acidente da TAM. A Marta errou na declaração, mas juntar a resposta infeliz à tragédia era um crime.

Só que as acusações justas precisavam ser levadas em conta.

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Depois de um desgosto, mais outro e mais outro, tive certeza de que o PT não me representava mais. Resisti muito tempo para não abandonar os colegas igualmente indignados, mas ficou tão claro que éramos minoria que o jeito era sair. Mesmo que eles insistissem em ficar.

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Pensei que nunca mais entraria em partido nenhum, já que todos, TODOS têm problemas. Têm pessoas oportunistas, fisiológicas, clientelistas, ambiciosas, safadas. Fazem alianças por conveniências. Mentem, apelam, enganam.

Mas decidi entrar no PPS quando o partido chegou fazendo essa auto-crítica. Se penitenciando. Dizendo que eu, evidentemente, era um "problema" que o PT não queria mais ter - e o problema que o PPS precisava ter. Porque o partido precisava ser mais consistente, mais coerente. Ter posições claras sobre os vários temas da cidade, nacionais e mundiais - mobilidade urbana, aborto, aquecimento global. E posições progressistas - Roberto Freire podia admitir diferenças de opinião, mas não que o PPS se colocasse contra a descriminalização do aborto,por exemplo.

O partido admitiu também que a bancada do PPS em São Paulo evidentemente não representava as bandeiras socialistas... Que o partido não obteria consistência com aquela representação parlamentar, pautada sempre no "governismo".

Concordei com eles. Não me via nem um pouco inclinada a ter a vereadora Myryam Athiê e o vereador Edivaldo Estima como meus novos colegas de bancada. Preferia continuar com o plano de sair do PT e ficar sem partido.

Mas às palavras seguiu-se a ação. O PPS comunicou aos dois que eles não teriam legenda para disputar eleição em 2008 - estavam livres, assim, para procurar outro partido.

Myriam filiou-se ao PDT. Estima disse que não queria mais ser candidato; tentaria eleger o filho em outro partido. Ficou. (Mas já desrespeitou decisões da Executiva do partido, então há um processo de expulsão contra ele).

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Vendo que a disposição do PPS de se, ahn, "refundar" era para valer, gostei e resolvi entrar. Especialmente depois de ouvir muita gente "das antigas" - velhos comunistas, líderes sindicais, intelectuais do partido. Que também estavam um pouco desgostosos do partido e seus parlamentares na capital...

Logo depois, decidimos disputar a eleição majoritária. O PPS quase teve candidatura própria mais de uma vez nas últimas disputas, mas acabou abrindo mão para apoiar outros partidos (PSB, PT, PSDB...). Desta vez, era pra valer - apesar do assédio de alguns (Alckmin, Kassab, que acenavam com a possibilidade de eu ser vice) e da resistência de gente do próprio partido (que não via muita "vantagem" em disputar uma eleição que seria tão difícil de ganhar...).

Mas a direção municipal foi porreta. Peitou o assédio, as resistências e não vacilou um minuto na defesa da candidatura própria. Qual a "vantagem"? A de fazer uma campanha segundo nossas idéias e crenças, pautada por ideais mas com pé na realidade, baseada em convicções verdadeiras e não nas sugeridas por especialistas em marketing eleitoral. Fazíamos questão de demonstrar que isso é possível, sim. Tratar as questões em toda sua complexidade, fugir de soluções simplistas, reconhecer as qualidades dos adversários na disputa com liberdade para apontar os defeitos de todos eles.

Sendo vice de alguém, isso seria IMPOSSÍVEL. Eu não daria nenhuma idéia, não defenderia nenhuma proposta, não poderia nomear realizações dos adversários nem admitir defeitos dos aliados. Não, não era isso que queríamos. E também queríamos A PREFEITURA, e não ajudar a eleger algum deles.

***

As reações à candidatura no "meio político" (políticos & jornalistas) foram, como é comum, na linha da "teoria da conspiração".

"Soninha mira eleitorado de Marta". Por mais que eu dissesse que eu queria votos de todo mundo, que eu queria me eleger prefeita e para isso precisava da maioria absoluta dos eleitores, o que saía publicado era isso.

"Linha auxiliar do PSDB", diziam. "Tirando votos da Marta, ela ajuda o Alckmin".

Depois, as coisas mudaram de figura. "Tá servindo de escada para o Kassab! O Serra tramou tudo desde o começo". Nessa m*&¨% de política em que tudo é combinado antes, as votações no plenário são meras encenações do que já está decidido, é compreensível que pensem assim... Mas eu DETESTO essas encenações.

Me matei de trabalhar, de correr a cidade, de responder perguntas e não dormir. De estudar a cidade, ouvir as pessoas, ler, escrever, discutir. Pra que, pra servir de escada? Vão lamber sabão!

Fiz a campanha eleitoral querendo votos de todos. Jovens e velhos, camelôs e empresários, homens e mulheres. Mas sem mentir pra ninguém; sem ocultar ou mudar opiniões para satisfazer a platéia. Quero repovoar o centro, dar condições para que as pessoas de renda mais baixa morem perto de onde há mais oportunidades de trabalho, mais serviços e equipamentos públicos e privados e centenas de prédios vazios. Disse isso em Guaianases e na Associação Comercial de São Paulo. Em sindicatos de empregados e sindicatos de patrões.

"Tirei" votos da Marta, do Alckmin, do Kassab, do "nulo" e até do Maluf.

A se julgar pelo Datafolha (vocês sabem o bode que eu tenho de pesquisa, mas enfim...), a Marta foi a pessoa de quem eu tirei menos votos. Afinal, 1/3 dos que votaram em mim votarão nela no segundo turno. Portanto, os outros 2/3 já não teriam votado nela de toda maneira, comigo ou sem mim na disputa.

***

Desde o começo, muitos me perguntavam: "E o que você vai fazer no segundo turno?" - já imaginando, claro, que eu mesma não chegaria lá (ah, e como eu queria...).

Eu sempre respondi a mesma coisa - às vezes em tom mais irônico, às vezes falando mais sério. "Vou pra Fernando de Noronha". "Vou sumir". "Não vou apoiar ninguém". "Ninguém???", perguntavam alguns, quase horrorizados. "Ninguém. Vou dar uma de PSOL", brinquei.

E de fato não vou apoiar nenhum dos dois candidatos.

***

O PPS, como eu já disse mil vezes, rompeu com o PT muito antes de mim. Depois de ter apoiado o Lula no segundo turno em 2002, afastou-se do governo e passou a lhe fazer oposição. Por exemplo, por não querer receber em suas fileiras parlamentares vindos de outras legendas, que passariam a fazer parte da base governista (o que chegou a ser solicitado por representantes do governo).

Eu continuei lutando dentro do PT mais um tempo, até chegar à conclusão que era uma luta perdida. Conclusão tão irrevogável que me fez sair do partido.

O PPS apoiou as candidaturas do PSDB em 2004 e 2006. Provavelmente, continuaria nesse campo, em oposição ao PT.

Sabendo disso, eu já avisei ANTES de ir para o PPS: "Eu vou sair do PT mas não virei anti-petista. Eu sei o quanto sofri lá sendo chamada de "mensaleira", "petralha"... Não quero fazer a mesma coisa com pessoas que eu admiro e respeito. E não vou fazer campanha para o Alckmin, por exemplo. Não gostei do governo dele, sempre critiquei muito, e ele não foi meu candidato e presidência e não seria para a prefeitura em hipótese alguma".

O partido entendeu, acatou e garantiu: "Você não será obrigada jamais a apoiar alguém sem acreditar. Nós já passamos por isso - o PPS apoiou o Lula em uma eleição presidencial em que um dirigente do partido que não participou da campanha porque preferia a candidatura do PSDB. Aceitamos".

***

Eis que chegou o segundo turno, entre Marta e... Kassab.

Assim como já não era mais eleitora da Marta enquanto ainda estava no PT, também não sou eleitora dela nesta disputa. Continuo com a avaliação que o grupo próximo à Marta é adepto do vale-tudo. Não é "o PT" -- é uma parte (significativa) do PT. Basta ver algumas estratégias da campanha... As mentiras deslavadas ("eu fiz 100 km de corredores", "criei um projeto de metrô no Ministério do Turismo e vou fazer 43 km em 4 anos", "o CEU do Kassab é mais caro que o meu"), as apelações ("o Lula é meu amigo e vai ajudar São Paulo"), os golpes baixos.

O maior e mais persistente deles, nos últimos anos, é colar em si mesmos a pecha de "os únicos progressistas" e de eternas vítimas da maldade alheia. E nos outros o rótulo de "reacionários", "elitistas", "inimigos dos pobres".

Depois dos tempos em que os comunistas comiam criancinha, agora os tucanos matam criancinhas pobres no tanque.

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Imagine se o partido do governo no Rio de Janeiro não fosse da base do Lula... O que diriam da polícia assassina do estado? Do extermínio nas favelas?

Tenho algumas simpatias pelo Sergio Cabral, mas muitas, muitas críticas, especialmente à política de Segurança Pública. Mas não vejo meu ex-partido protestando furiosamente contra ela...

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NINGUÉM neste país, a não ser o PSTU, pode dizer "não temos nenhuma relação com a direita e os conservadores". Os outros partidos todos têm, em algum lugar, participação em uma aliança maluca.

PT e PSDB são os que têm menos moral para criticar alianças dos outros.

O PSDB em São Paulo procurou o Quércia querendo o apoio dele. O presidente do Diretório Municipal do PT chegou a dar entrevista comemorando o apoio dele, que era "certo" - "O PMDB é da base do governo Lula...".

Agora, depois de o Alckmin dizer que esse apoio era uma afronta à memória do PSDB, vem o PT dizer "argh, você vai para o lado do Quércia?!".

É muita cara-de-pau.

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O PTB que apoiou o Alckmin e agora está com o Kassab é aquele mesmo da base do Lula. Aquele que foi coligado com o PT nas eleições proporcionais de 2004.

O PMDB é esse que o PT apóia no Rio contra o Gabeira. PMDB cujo candidato é o EDUARDO PAES, que até outro dia estava para o PT como o Pingüim está para o Batman.

O PR da chapa do Kassab é o mesmo que apóia o governo Lula. O PP também.

Portanto, se alguém for analisar o espectro das alianças para decidir em quem votar e for 100% rigoroso, NÃO VOTA EM NINGUÉM. Analisando os blocos, vai encontrar incoerências EM TODOS.

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E aí, o que fazer?

Votar nulo?

É uma opção. "Não serve pra nada"? Serve como registro da opinião.

O voto é uma conquista e o voto nulo é um direito. Sou contra o voto nulo em eleições parlamentares, porque isso facilita muito para os "curraleiros", os que compram votos. E são tantas as opções de candidatos, que sempre há boas alternativas. No primeiro turno das eleições para o Executivo, também acho desperdício votar nulo - em São Paulo, havia onze candidatos, será que nenhum "servia"?

Mesmo assim, é um direito do cidadão votar nulo. Eu entendo. Mais ainda no segundo turno, quando só há duas opções e é perfeitamente aceitável não querer nenhuma delas.

Só que eu não vou pregar o voto nulo. Nem o voto no Kassab. Simplesmente não vou fazer campanha neste segundo turno - apesar de entender e concordar com meu partido na posição assumida.

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O PPS não começou agora, embora tenha "re-começado" com a minha entrada - é o que eles mesmos dizem, o que me deixa muito feliz. (Antigos membros falam em "A.S e D.S." - Antes e Depois da Soninha). É o meu partido - mas o partido não é "meu". Não fui eu que levei o PPS para a oposição à Marta.

O PPS tem claríssimo que está na oposição ao PT na capital e em nível federal - e eu SAÍ do PT, porque também não acredito mais na orientação do partido de modo geral. Portanto, estamos de acordo.

Então virei anti-petista? Não. Não votaria em ninguém do PT, em hipótese alguma? Também não.

Se o adversário da Marta fosse o Maluf, eu votaria no PT.

E tem gente do PT que eu convidaria para fazer parte do meu governo.

Mas esses meus convidados dificilmente teriam espaço em um governo da Marta... Os petistas que eu e ela admiramos quase nunca são os mesmos.

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"O Kassab e o Maluf não são a mesma coisa?"

NÃO.

O Maluf praticou vários desastres contra a cidade nas suas passagens por cargos executivos. Perpetrou obras no mínimo discutíveis, a custos inaceitáveis.

Defendeu ardorosamente a ditadura militar. Estava sempre ao lado contrário dos que defendiam a democracia, o direito ao voto, às liberdades civis. Tem a simpatia dos que defendem que "bandido bom é bandido morto". Prefere mulheres submissas. Mente descaradamente.

Alguém pode defendê-lo dizendo que ele mudou - afinal, está ao lado do PT agora, seu antigo inimigo mortal.

Então tá... O Maluf mudou? Acredita em algo em que não acreditava antes? Suavizou-se, modernizou-se, tem posições diferentes das que sustentou a vida toda?

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O PT está fazendo de tudo para colar o Kassab (e o Serra) ao malufismo.

Incrível.

Não nos esqueçamos: o Maluf é da base do Lula. O PP está devidamente representado no governo federal, e não tem qualquer carguinho não - tem o MINISTÉRIO DAS CIDADES. Cujo ministro quase foi afastado depois de acusações feitas durante a operação Navalha, mas ele acabou se segurando.

Mas haja o que houver, o PT é esquerda, e quem estiver contra o PT é direita... É essa a idéia em que eles insistem.

Os aliados do PT à direita são sempre "menos direita" que os outros?

Quando outro partido de esquerda participa de um bloco com partidos de centro e direita, está contaminado para sempre com o vírus dos herdeiros da ditadura.

Mas o PT? Nunca! Não só é sempre de esquerda, faça o que fizer, haja o que houver, é a única esquerda.

Pode defender o agro-negócio, abraçar o Blairo Maggi (se ele ainda fosse do PPS, talvez eu não tivesse entrado!), o Sarney, o Jader Barbalho, o Renan Calheiros, o Marcelo Crivella. Mas o PPS é "a direita"!

Fala sério...

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Tem gente caretésima, reacionária, conservadora dos dois lados (Marta e Kassab). Tem gente cabeça aberta, moderna, arejada dos dois lados também.

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Clientelismo, fisiologismo, demagogia, imediatismo etc. são defeitos que se encontram em quem se diz à esquerda e quem se diz à direita.

Mas eu continuo à esquerda. Sei muito bem o que defendo, no que acredito: no papel do Estado como promotor de justiça social e igualdade. De guardião dos direitos humanos. No bem-estar coletivo como sendo mais importante do que o individual (não que este não seja importante!). Nos modelos de organização solidária, mais do que na competitividade. No índice FIB (Felicidade Interna Bruta), mais do que no PIB. No IDH mais do que na avaliação das agências de risco para investimentos. Na qualidade de vida mais do que no "poder de compra". Na república e na democracia - que garante a vontade da maioria mas deve respeito à minoria. Na diversidade, na pluraridade. No direito de organização, manifestação, participação. Na política como campo de luta por transformações sociais.

Eu não apóio a direita. Não é porque me oponho à Marta que mudei de espectro político. Os arranjos partidários contemplam - infelizmente; lamento isso agora como sempre lamentei - parcerias momentâneas de personagens com ideologias e histórias diferentes.

Muitas vezes, isso é movido pela rejeição a determinado personagem ou partido. Quem não suporta o Lula votou no Alckmin mesmo sem achá-lo um grande candidato, e vice-versa. É duro, mas é assim. Em quem será que os eleitores do PSOL votaram na eleição presidencial de 2006? Em quem rejeitavam menos, ou em ninguém...

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Então só a Marta tem problemas? Já disse um milhão de vezes que não. A campanha e o governo do Kassab também têm. Ao lado dele tem uma turma "da pesada" também.

Mas, por incrível que pareça, eu vejo hoje o Kassab resistindo mais a entregar os anéis, os dedos e os ossos da mão aos aliados do que a Marta. Menos disposto a fazer qualquer concessão em troca de apoio.

Eu disse "menos", e não "nada". O apoio do PTB será "programático"? Bem capaz.

Mas o apoio do PPS é. Descartado o apoio a Marta, o partido não ficou com o adversário por força da gravidade. Fez suas exigências - compromissos com alguns dos pontos principais de nosso programa de governo.

Kassab não recusou nenhum deles.

E se for mentira? E se ele não cumprir?

Será criticado como merece. Sem o menoooor constrangimento, a menor hesitação.

E a bancada do PPS na Câmara irá se conduzir de maneira totalmente afinada com o interesse da cidade - não com interesses do governo. Eu jamais admitiria um acordo na base de "cargos x apoio na Câmara".

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E eu?

Apesar dos títulos e manchetes nos jornais, eu ESTOU FORA.

(Por que não me deram uma manchete igual à da Manuela??? "Sem Manuela, PCdoB decide dar apoio a Maria do Rosário". Por que não escreveram "Sem Soninha, PPS..."?)

Fui candidata a prefeita e continuo achando que sou melhor candidata do que eles :o).

Não estou me rebelando contra o partido, porque eles sempre souberam da minha posição. Nem estou me "submetendo" ao partido, porque eles não estão me obrigando a nada. Vão apoiar a candidatura do Kassab. Eu não.

Para quem vota na Marta, o fato de eu não discordar/ brigar com o PPS é o equivalente a uma traição.

Para quem não vota na Marta de jeito nenhum, o fato de eu não fazer campanha para o Kassab é uma decepção.

Lamento. Se o preço da minha posição for ficar mal com todo mundo, azar. É triste, juro que é, mas faz parte.

O mais irritante é a injustiça, a desonestidade, a conclusão equivocada. "Ela só entrou na disputa para isso"; "era esse o plano desde o começo"; "ela mudou muito"...

Mudei nadinha. Sou igualzinha ao que eu era semana passada.

Não vou votar na Marta e não vou pedir voto no Kassab. Não vou tentar convencer ninguém a seguir a posição do PPS. Vou "liberar meu eleitor", como costumam dizer - como se precisasse...

Detesto cabresto. Espero sempre que os eleitores analisem muito bem qualquer coisa antes de tomar sua decisão. Se eles chegarem (ou se já chegaram) à conclusão de que ainda preferem o PT, ok. Se preferem que a atual gestão continue, ok também.

O que não é ok é o maniqueísmo, a patrulha. O "nós, os conscientes" X "eles, os que não prestam". "NÃO VAI VOTAR NA MARTA??? Então você é do mal". "VAI VOTAR NO PT? Então é ignorante". E vice-versa.

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Então minha posição é muro? Não, não é. Mas é de tolerância às divergências. E de intolerância às polarizações forçadas, falsas. "Esse governo não gosta de pobre! Quem gosta de pobre é o PT!". Não suporto essa apelação. Já não gostava quando estava lá.

Tenho vontade de dizer: "Confiem em mim". Mas eu sei que é bobagem - quem é que não diz "pode confiar em mim"? Então, recomendo o de sempre: me acompanhem. Me cobrem. Me sigam. Vejam o que eu faço, como me posiciono, quem eu enfrento. Perguntem quem eu respondo. Avaliem vocês se eu mudei - se troquei de bandeiras, de idéias e ideais. É fácil pra burro me avaliar. Existe algum político por aí, QUALQUER um, que se exponha tanto? A quem as pessoas tenham tanta facilidade de se dirigir diretamente? Que explique tão minuciosamente o porquê de suas decisões?

Se discordarem delas, ok. Só não me atribuam idéias e opiniões que eu não tenho, coisas que eu não sou.

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Acabo de saber que a senadora Marina Silva, como eu, apóia o Gabeira no Rio. YES!

terça-feira, 7 de outubro de 2008

O segundo dia

Vontade de fazer imediatamente um milhão de coisas. Escrever mensagens de agradecimento, telefonar para eleitos e não-eleitos, começar a escrever projetos (de educação, meio ambiente, cultura, população em situação de rua) para o ano que vem, planejar uma ida ao Rio para fazer campanha para o Gabeira, batalhar (ainda como vereadora) por muitas questões pontuais testemunhadas durante a campanha eleitoral... E, ao mesmo tempo, o cansaço acumulado que deixa a gente com preguiça de dar o primeiro passo. Engraçada essa sensação de "não vejo a hora de ligar o computador" ao mesmo tempo em que eu só queria abrir uma revistinha de palavras cruzadas, ao menos um pouquinho...

Consegui fazer as duas coisas :o)

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Palavras e cenas que jamais vou esquecer: pais e mães apresentando os filhos pequenos e dizendo - "Ele/ ela votou em você". (Os meninos e meninas foram à urna com os pais e apertaram os botões com meu número, felizes da vida). Outras tantas crianças, ao longo da campanha, vieram me dizer "quando eu crescer quero votar em você!". Ou, como os adolescentes que fizeram questão de me encontrar no sábado à tarde: "Eu não gostava nem um pouco de política, mas você me fez querer acompanhar". Ou ainda, como ouvi de uma família no Grajaú: "Quando começa o seu programa no horário eleitoral, meu marido manda as crianças ficarem quietas, porque é o único que ele faz questão de assistir".


Um menino de uns 9 ou dez anos que encontrei no domingo veio se dizer meu eleitor, e a mãe pediu para ele dizer por quê. "Porque você liga para o meio ambiente!". Pessoas muito mais novas ou muito mais velhas do que eu me "acusavam": "Por sua causa, eu não vou votar nulo desta vez!". Muitos disseram: "Você não vai chegar desta vez, mas eu vou votar em você agora e você vai chegar um dia".
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Claro que não foram só coisas boas. Um militante do PT (estava todo adesivado na porta de uma seção eleitoral) me chamou de "traidora". Uma amiga da minha empregada disse que não ia votar em mim porque eu era "muito burra" - "Imagine, dizer que bicicleta vai resolver o problema do trânsito em São Paulo!". Recebi o link de um vídeo no You Tube em que um sujeito pergunta se eu vou oferecer maconha na merenda escolar. Afe.

Mas tinha militante do PT e do PSOL que dizia: "Soninha, eu não vou votar em você, mas você é dez, eu gosto das suas idéias". Muito, muito legal. Se as pessoas pudessem votar em dois nomes, acho que eu ganharia em segundo lugar :o). Como disse um amigo, "é como o Juventus, o Moleque Travesso. Tira ponto dos grandes, tem a simpatia de todo mundo".

Só que um dia eu quero terminar em primeiro. Bom, acho que o Juventus também. Quem disse que time pequeno não ganha campeonato? Lembra o São Caetano? :o))

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Se o voto fosse espontâneo e não obrigatório, também tenho certeza que minha porcentagem seria maior – por ser um voto convicto, entusiasmado. Não é muito conveniente citar, aqui, propaganda de cartão de crédito, mas em todo caso não foram eles que inventaram a expressão: ver pessoas lamentando o fato de não poderem votar em mim (porque seus títulos são de outros lugares, por exemplo) "não tem preço".

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O Maluf continuou na minha frente. Bom, ainda outro dia ele foi eleito deputado federal com um milhão de votos... Na mesma eleição em que eu tive 41 mil e fiquei longe, bem longe de uma vaga na Câmara.

Será que seus eleitores conhecem/aprovam seu desempenho como parlamentar? Será que, enquanto engenheiro e "tocador de obras", que "rouba mas faz" (foi como um conhecido justificou o voto nele – fora de brincadeira), ele atende à expectativa da torcida malufista?

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As razões pelas quais as pessoas decidem seu voto são as mais incrivelmente variadas. O tio de uma amiga minha votou no Maluf a vida toda, mas dessa vez ia votar em mim: "Eu já não estou enxergando muito bem, tenho muita dificuldade para andar, e acho que ela é a única que se importa de verdade com as calçadas!".

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Eu estou feliz, muito feliz. Foi delicioso fazer uma campanha "C.Q.D." - Como Queríamos Demonstrar, como nos problemas matemáticos. Mostrar para as pessoas em geral que a política partidária não é uma espécie de lavagem cerebral da qual ninguém escapa. Que é perfeitamente possível entrar na política e continuar fiel aos ideais, aos princípios fundamentais, à vontade de mudar o mundo - e mudar, inclusive, a política. Mostrar para os próprios políticos que a gente não precisa abrir mão de todas as convicções mais caras para "chegar lá"; não precisa fazer campanha eleitoral mentirosa, simplista, maniqueísta, boboca. Tem gente interessada e disposta em participar de uma discussão mais complicada, mais elaborada, mas ao mesmo tempo mais leve, compreensível.

Que bom saber que se pode contar com muita gente na hora de comprar algumas brigas; de levantar bandeiras, defender causas, pautar alguns temas. Que bom saber também que muita gente (umas 266.978 pessoas) conta comigo para suas brigas, causas, bandeiras. Podem contar. Eu estou aqui, e é bem fácil me achar.

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E o segundo turno?

Tenho falado bastante sobre ele; já respondi a inúmeras entrevistas sobre o tema. Mas quero escrever aqui sobre isso com calma. Amanhã sem falta.

sábado, 27 de setembro de 2008

As *&¨% das placas, de novo

Já que a tendência agora é oferecer muito mais coisas bem baratinhas ou de graça para a população – e tudo isso sem aumentar impostos, sem novas taxas, sem pedágio urbano! – eu tenho uma nova proposta de política pública: GPS grátis para todos! Todo mundo (motoristas, motociclistas, ciclistas e até pedestres) tem o direito a ter, sem custo algum, uma daquelas maquininhas que vão explicando o caminho, baseadas em sinais enviados por satélites.

Falando sério agora, eu gostaria de saber quantas horas e litros de gasolina foram gastos enquanto eu me perdia pela cidade nessa campanha. Às vezes porque o lugar era completamente desconhecido para mim e, mesmo tendo consultado um mapa, não conseguia me localizar porque AS RUAS NÃO TÊM PLACA! Fala-se muito da imensa produção legislativa no que diz respeito a nomes de ruas (e, saibam todos, nem todos os “projetos de nome de rua” são irrelevantes, mas deixa esse assunto para depois), e mais uma vez existe uma discrepância entre a produção de leis e sua execução. Tem muita rua sem nome? Tem. Com nome repetido? Também. Mas o que mais tem é rua com nome e SEM PLACA.

No Parque Novo Mundo (ZN) ou no Jardim Capela (ZS), isso tem desdobramentos curiosos. Você pergunta para as pessoas “onde fica a rua tal?”, e elas não fazem idéia. Mesmo que morem no lugar há anos e a tal da rua seja logo ali, numa paralela. Não têm muito conhecimento, muita identificação com o lugar, não têm raiz.

É diferente de percorrer mil vezes uma rua super familiar e se surpreender ao descobrir seu nome, como às vezes acontece. As pessoas não sabem quase nada sobre o seu lugar, não é só o nome da rua – não adianta perguntar pelo Núcleo Cristão, pela Associação de Moradores, quase ninguém sabe onde é. É sintomático ver quanta gente mora em um lugar – não por coincidência, um lugar pobre, feio – e não têm referências sobre ele.

Algumas vezes me perdi pela absoluta falta de orientação. Uma noite, me enganei na saída de uma ponte na Marginal Pinheiros – coisa mais fácil, já que os acessos são caóticos e mal sinalizados – e caí na João Dias (ZS), quando queria pegar a própria marginal. E pra fazer o retorno? Uma odisséia. As ruas ao lado da avenida não seguem a menor lógica de mão e contramão. Depois de tentar várias vezes fazer uma volta no quarteirão e acabar indo para cada vez mais longe, achamos uma placa – lááá em cima – indicando retorno. E o retorno indicado também é longo, pouco prático. Se não fosse um sábado à noite e sim uma sexta de manhã, eu teria ficado muito tempo presa no trânsito – e ajudando a piorar o congestionamento.

Na Avenida Aricanduva (ZL), também erramos uma saída e penamos para encontrar o retorno. E, se não me engano, a famosa Ponte Aricanduva NÃO CHAMA Aricanduva. É que nem aquela indicação para “Ponte E. Roberto Zuccolo”, na pista expressa da marginal Pinheiros – muita gente precisa de bola de cristal para saber que essa é a Ponte Cidade Jardim (nome que aparece em outra placa, mais suja, mais feia, mais escondida). A chance de perder a entrada da Cidade Jardim e ter de percorrer à toa um pedação de marginal e ir parar na infernal Eusébio Matoso é enorme.

Ou seja, mesmo em lugares conhecidos, a chance de perder o rumo está sempre presente. Descendo a Rua do Seminário e tendo de adivinhar qual é o acesso para a Mooca, entre todas as alternativas que se abrem no semáforo. Seguindo a Washington Luis e tendo de adivinhar qual é o acesso à Vicente Rao, à Vereador João de Luca (a placa que indica o acesso não informa, e o diabo das avenidas também não têm placa nenhuma com seu nome, a não ser alguns quarteirões adiante). Descendo a Roberto Marinho e quase perdendo o rumo porque uma placa “Santo Amaro – Largo 13” indica um retorno à esquerda, mas depois do retorno não há nenhuma outra informação (eu sei que preciso virar à direita na Avenida Santo Amaro, mas e se não soubesse?)

E tem uma outra praga em São Paulo: a sinalização das praças. Realmente, nesse caso há uma festa das denominações – qualquer pedacinho de terra não-edificado numa esquina vira “Praça”. E ganha um nome – às vezes quilométrico – sem muita identificação com o entorno (ainda que o homenageado mereça virar nome de praça e tenha uma história bonita na região, as pessoas nunca vão se referir àquele lugar pelo nome dele!).

Quando surge, então, uma praça, some a identificação da rua e você perde, mais uma vez, o rumo. Mesmo que esteja no lugar mais conhecido do mundo! Uma vez, precisei ir a uma reunião na Associação dos Delegados na Avenida Ipiranga. Não sabia em que parte da rua ficava o número mil e pouco. Pois bem: chegar à Ipiranga na altura da Praça da República é ficar completamente no deserto em relação à numeração da avenida. Um absurdo!

Anteontem, tive um encontro com o SETCESP na AMCHAM. Peguei indicações precisas no Google Maps – “6 km de Avenida Santo Amaro desde a São Gabriel, direita na Antonio das Chagas, direita na Estilo Barroco, esquerda na Rua da Paz”. Que bom, facílimo!

Só que a Antonio das Chagas, que de fato é uma travessa da Santo Amaro pouco depois do Borba Gato, não “chega” até a Santo Amaro – porque na esquina tem uma praça batizada com o nome de alguém, e a Antonio Chagas fica sem nenhuma indicação de sua existência.

Bom, agora preciso sair, minha carona tocou o interfone. Talvez eu me perca mais um pouco e volte com mais histórias para contar.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Não tem como chegar lá?

Palavra do Ministro das Cidades, Marcio Fortes (PP), sobre pedágio urbano, no UOL:

"Eu sou contra, porque, se não resolver o problema anterior, as pessoas vão pagar o que for preciso para chegar ao centro. É preciso investir em metrô, em bilhetes de integração, em alternativas sem ônus. Não adianta restringir o acesso se a pessoa não tem como chegar lá. A cobrança deve ser a última coisa".

“Alternativa sem ônus”. Como se o congestionamento não tivesse ônus - pesadíssimo, aliás! E como se as pessoas SÓ usassem automóvel por falta de alternativas. A pessoa “tem como chegar lá”, sim - de ônibus, de metrô, de trem, de bicicleta, de moto, a pé ou até mesmo de táxi.

São Paulo é a cidade mais automobilizada do mundo na região central. O índice de carro por habitante é maior na região da Paulista do que no Grajaú – onde as pessoas poderiam dizer, como muito mais razão, que não têm como chegar... Onde o ônibus é pior, os intervalos são maiores, os caminhos mais difíceis.

É preciso investir em metrô, integração, etc. Mas sem desestimular o uso (abusivo, compulsivo, supérfluo) de automóveis , eles vão continuar entupindo as ruas. E pagando mais caro por isso do que a eventual tarifa de pedágio.

Já o diretor-presidente do Denatran, Alfredo Peres, “que também esteve presente ao evento da campanha "Na cidade sem meu carro", do Ministério das Cidades”, manifestou “opinião diferente da apresentada pelo ministro, no que se refere ao pedágio urbano. Peres acredita que a limitação de acesso por meio da cobrança é uma "tendência”."Nenhum político gosta de falar sobre isso, porque não seria algo receptivo pelos motoristas. Mas os municípios têm que decidir em que tipo de cidade querem viver", disse”.

Pena que ele “admitiu que “a solução tem caráter elitista, por penalizar mais a população de baixa renda”.

A população de baixa renda é penalizada pelo congestionamento, pela má qualidade do ar, pela baixa velocidade do ônibus... E, até onde se sabe, a maioria absoluta da população de baixa renda NÃO TEM CARRO. São milhões e milhões andando a pé, de bicicleta, de ônibus, trem e metrô. O pedágio urbano “penaliza” quem tem carro e o utiliza na região central, no horário de mais movimento. Que, mesmo “penalizado” pelo pedágio, sai beneficiado pela redução do congestionamento!

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

De mal com o mundo

Ela insiste!

“Eu construí 100 km de corredores. Vou fazer mais de 200. Eles não construíram nenhum”. (Marta Suplicy, agora há pouco, no SPTV).

No governo Marta, foram feitos sessenta e poucos km de corredores. Os outros, inaugurados desde a gestão do Covas, passando por Jânio, Erundina e Pitta, ela reformou. Não “construiu”.

São Paulo tem hoje 120km de corredores. O Expresso Tiradentes (ex-Fura Fila, ex-Paulistão), por exemplo, foi inaugurado nesta gestão. Nos últimos meses de governo do PT, ficou completamente PARADO. Porque, segundo a Marta (no 1º. debate na Bandeirantes), ela estava gastando muito dinheiro fazendo os outros corredores (apesar de ter gastado uma fortuna nos túneis...).

E também insiste que vai fazer mais de 40 km de metrô; que apresentou, enquanto ministra, um projeto de expansão do metrô para a Copa de 2014 (como se os projetos já não existissem há décadas); diz que não há previsão de verbas para o metrô no orçamento da União, mas ela já “conversou com a Dilma” e isso pode ser resolvido por meio de uma emenda (!).

Não explica como é que São Paulo vai suportar tantas obras ao mesmo tempo (já viu o transtorno que uma delas causa?).

Calcula o custo e a duração da obra “por baixo” – e tentar fazer o metrô mais rápido e mais barato termina mal, muito mal...

E diz que pretende levar metrô “para a periferia” – Cachoeirinha, Jardim Ângela...

Parece, de novo, ignorar os projetos que já existem. E um outro “detalhe”: nem sempre essa é a melhor opção.

Alckmin, por exemplo, levou metrô até o Capão Redondo... Uma linha mal conectada às outras (que até dois meses atrás sequer funcionava aos domingos!!!). Era muito mais importante continuar com a Linha Amarela, que, pelo seu traçado, desafogaria uma parte das linhas vermelha, verde e azul – e também o transporte de superfície. Mas ele disse, em entrevista, que foi obrigado a fazer esse investimento naquela linha por imposição do Banco Mundial (ou qualquer coisa assim).

Quer dizer, são todos super fortes, corajosos, bons gestores, que fazem e acontecem. Mas a Marta não pode continuar o Fura Fila porque estava terminando os outros corredores; o Alckmin passou uma linha na frente da outra por determinação dos investidores...

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Ainda o Alckmin: quando perguntam da cratera do metrô, ele diz: “Veja bem, eu já estava fora do governo há oito meses”. Mas outro dia, em um debate, ele se orgulhou: “Nós levamos os trens da CPTM até Interlagos e Grajaú”.

Essas estações foram inauguradas ano passado. Quando, pelos seus próprios cálculos, ele já estava “fora do governo” há mais ou menos um ano e oito meses... Mas ele prefere contar como realização sua.

É naquela base dos técnicos de futebol espertinhos: “Eu ganhei, nós empatamos, vocês perderam”.

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Os trens chegaram até o Grajaú – mas, para ver como não adianta simplesmente estender o transporte sobre trilhos, levá-lo “à periferia”, olha o que está acontecendo agora: quando o trem chega à estação Santo Amaro às cinco da manhã, já vem LOTADO. É difícil embarcar.

Tem de ter transporte sobre trilhos? SIM. Na periferia? Sim, claro! Mas estender ou alargar os eixos radiais que já existem NÃO RESOLVE. Precisamos melhorar as ligações perimetrais, os anéis viários, ferroviários, as linhas de transporte coletivo entre bairros da mesma região e entre regiões (Sul-Leste, por exemplo). Precisamos diminuir as distâncias entre casa e trabalho, aumentando a oferta de moradia popular no centro e de empregos na periferia. E não podemos esquecer que o transporte é, ele mesmo, um indutor da ocupação, do crescimento. Por isso existe tanta preocupação com o Rodoanel, por exemplo. Ali na Zona Sul, é importante NÃO HAVER ligações viárias entre os bairros e essa nova estrada, porque senão as áreas verdes vão para o saco.

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O que nos traz a Paulo Maluf e sua oferta de alargar as Marginais – e pra cima dos rios.

Que adianta ter o dobro de faixas na marginal, se o resto da cidade não tiver capacidade de absorver os veículos?

E também nos traz ao que ele fez, enquanto governante, por exemplo na Zona Leste – expandindo o sistema viário de tal maneira, sem nenhuma conexão com outras medidas de planejamento urbano (providências necessárias para garantir moradia, trabalho, lazer, equipamentos de educação e saúde etc.), que a cidade se esticou feito um elástico. (E quase podemos dizer que “arrebentou” feito elástico esticado demais, porque cresceu toda desigual e desordenada).

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Enquanto isso, Kassab – que, nisso a Marta tem razão, anunciou todo feliz que o Bilhete Único passaria a valer por 3 horas, mas não incluiu os bilhetes de estudante e de Vale Transporte... – anuncia que a passagem de ônibus “não vai subir no ano que vem”.

Santo deus, vale tudo... Quem é que quer aumento de ônibus? Ninguém. Mas tem horas que não tem jeito, tem de aumentar para não arrebentar o sistema – isto é, para não arrebentar os cofres públicos, dos quais a gente precisa para várias coisas (como investimentos para melhorar e expandir o transporte...). E por que tem de aumentar? Porque os custos aumentam; porque tem data-base para reajuste de salários de motoristas e cobradores...

Os custos podem e devem ser menores – se o sistema for mais eficiente, se o governo federal reduzir impostos sobre o óleo diesel e os microônibus (como reduziu para gasolina e táxis)... Mas prometer um ano sem aumento é simplesmente dizer o que o povo quer ouvir, contrariando a sensatez.

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Ivan Valente defende a “tarifa zero” no transporte, e diz que “vários países no mundo” têm esse sistema.

Eu não sei quais, mas sei que a tarifa zero significaria a prefeitura bancar todos os custos de operação do sistema. Seria uma conta caríssima, em que a despesa seria mal dividida. Sim, porque eu, que tenho todas as condições de pagar tarifa, seria beneficiada – o custo da minha viagem seria dividido entre toda a população, inclusive a mais pobre. É injusto.

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Pronto, em cinco mil caracteres, consegui brigar com todo mundo. Agora é a vez de vocês, podem me bater... Ai. Hoje parece que eu tirei o dia para brigar, mas não foi premeditado...

A doida

Manchete na capa do UOL: “Cremes não retardam envelhecimento”, dizem cientistas.

Eu li “Crimes”.

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Ontem, saí de uma "Sabatina-Afro" (promovida pela EDUCAFRO, uma das obras sociais do SEFRAS – Serviço Franciscano de Solidariedade) na Rua Riachuelo, atrás da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, pouco depois das dez da noite. Montei na moto para ir embora e logo apareceu um rapaz com colete de “guardador”, fazendo sinais para perguntar se eu tinha um trocado para ele.

Eu tinha. Perguntou com jeito, sem fazer qualquer tipo de pressão; ainda disse “não tem erro, qualquer coisa fica para a próxima”. É meio absurdo pagar para alguém “tomar conta de carro”, por todos os motivos do mundo – porque é ridículo carros (ou motos) precisarem de babá; porque é um jeito de tentar ganhar dinheiro por um trabalho, mas na prática é pouco diferente de pedir esmola, já que o serviço é inútil (se aparecer um ladrão, ele vai fazer o que?). Mas eu conheço muitos meninos que realmente consideram esse um trabalho; que fazem questão de “fazer” alguma coisa em troca do trocado que vão pedir... (Desculpem pelo “troca do trocado”).

Enfim, eu não topo extorsão, de jeito nenhum. Já bati boca com vários guardadores – recusando o “preço” que eles estabeleceram; me recusando terminantemente a pagar adiantado! – mesmo correndo o risco de voltar e encontrar o carro todo riscado, ou duas motos em vez de uma. Não admito. Mas às vezes cedo a pedidos gentis, e foi o caso.

“Você não costuma parar aqui, né?”. “Não, eu não venho todo dia, só vim participar de um evento”. “É, eu nunca tinha visto essa moto nem você aqui...”

Como ele puxou papo, dei corda. Não resisti à tentação de perguntar “você vota?”. “Voto, sim!”, respondeu, com tanta convicção que fez a pergunta parecer sem sentido. “Já tem candidato a prefeito?”. “Olha, sabe que ainda não? Não decidi”. “Bom, tem eu...”. Ele fez cara de interrogação, igualzinho a um desenho animado. Mostrei o adesivo no baú da moto – “Eu, olha. Eu sou candidata a prefeita”.

Ele ainda levou uns segundos para entender. A geração pós-Telesp talvez não saiba a origem da expressão “demorou para cair a ficha”, mas ela é a perfeita descrição de momentos assim. Quando fez o “clique”, ele perguntou, surpreso: “VOCÊ é a Soninha?”. Aí abriu um sorriso: “Olha, juro para você, eu estava indeciso entre dois: você e o Maluf. Você, porque eu vejo suas idéias e eu gosto, sabe? E o Maluf porque a minha mãe falou que ele foi um prefeito muito bom”.

Respirei fundo para fazer uma suave objeção, mas ele nem me deixou completar: “Bom, assim diz minha mãe... Eu não sei... Mas eu gosto mesmo das suas idéias, do seu espírito, sabe? Olha, eu já estava decidindo, sério mesmo. Eu já estava pensando em votar em você”.

Não sei se eu ganhei um voto ou não, mas adorei a conversa. Aliás, eu adoro conversa. Candidato vive disputando quem é que gosta mais de pobre (parece que é uma disputa para pedir pobre em casamento). Eu gosto muito, muito mesmo, de gente. Brasileiro, estrangeiro, votante, não votante... Criança, idoso... Sensatos, malucos... Universitários, analfabetos... Se não for prefeita no ano que vem (vai saber, tudo pode acontecer... :o)), vou fazer alguma coisa assim, no corpo-a-corpo. Abordagem de população de rua, mutirão ambiental na periferia, ocupação artística de espaços públicos, alfabetização para jovens e adultos... Às vezes estou completamente exausta dessa vida sem solidão, sem reclusão, sem silêncio; sem tempo para contemplação. Mas eu gosto muito de conhecer pessoas, como gosto. Queria ter um registro de cada uma delas – um retrato, um perfil, um resumo do dia e hora em que nos conhecemos... (Ô mania de guardar coisas, que não me larga!). Ok, guardo apenas as lembranças e um ou outro post no blog. Na minha casa não cabe mais nada :o))

***

Trilha sonora: depois de uma Adriana Calcanhoto ("Fico Assim Sem Você"), uma seqüência enorme de Jack Johson. Muda tudo, muda o dia. Já falei da revisão que eu queria fazer na Declaração de Direitos Humanos, né? Ou na Constituição? "Todo ser humano tem direito à música". (MP3 para todos!). E "Todo ser humano tem direito à massagem". A saúde de todos seria bem melhor.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Recuerdos e mais recuerdos

Recuerdos

Nessa semana, voltou à pauta o Tribunal de Contas do Município - aquela cuja extinção eu defendo, assim como já defenderam vários de meus colegas... Houve uma CPI do TCM com conclusões arrasadoras, mas ficou tudo por isso mesmo... Para não ter de falar tudo outra vez, recuperei posts antigos sobre o tema. Aí vai um deles (o texto original está aqui)

Mais recuerdos

Aqui tem mais um capítulo antigo da “novela TCM”.

E aqui, a matéria da Folha, reproduzida no site da candidatura, que ressuscitou o assunto (ainda bem!) nos últimos dias.

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"Como eu comecei a dizer no post acima, sou contra o PL da Reforma Administrativa do TCM, por vários motivos.

Por exemplo, porque ele estabelece que:

§2º - A Função Gratificada fixa [sic] excluída do limite salarial previsto na Lei nº 12.477, de 22 de setembro de 1997.

Vamos à lei 12.477... Ela DISPÕE SOBRE A CARREIRA DA FISCALIZAÇÃO, ORGANIZA O QUADRO DOS PROFISSIONAIS DA FISCALIZAÇÃO-QPF, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.

Ué... E por que foram pegar uma lei que fala do “quadro dos profissionais da fiscalização”? O que o TCM tem a ver com isso?
E qual é, afinal, o “limite salarial” previsto nessa lei?

Tá lá no Art. 93, que trata de “disposições gerais”: “O limite máximo de remuneração dos servidores municipais passa, a partir da data da publicação desta Lei, a ser o correspondente ao fixado pelo artigo 37, inciso XI, da Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988”.

Ah, então fomos buscar em um artigo de uma lei municipal de 97 uma referência ao teto constitucional para vencimento de servidores públicos... Um pouco enviesado, não???

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O teto estabelecido na Constituição diz que, no município, o maior “salário” (o termo oficial é “subsídio”) deve ser o do prefeito. O texto é assim:

XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito. (...)

Aí vem um PL do TCM e diz, disfarçadamente, que as “funções gratificadas” não precisam respeitar esse inciso da Constituição. Aí acontecem aquelas coisas – um funcionário do TCM ganha três vezes mais que o prefeito... Se bobear, acaba ganhando mais que o Ministro do Supremo, que é o teto máximo da nação.

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Gratificações, em princípio, são temporárias. Mas a “função gratificada” se torna permanente depois de cinco anos, contínuos ou não.

E tem gratificação de quê, por que?

Tem, por exemplo, Art. 29 - A gratificação por serviço especial em Comissão de Licitação fica fixada em 10% do QTC-6 por reunião, limitada a 10 (dez) reuniões mensais, por servidor. Ou seja: jetton. Um adicional pago por participação em determinado tipo de reunião...

Tem também a (Art. 5º) Gratificação de Incentivo à Especialização e Produtividade. Para fazer jus a ela, o servidor terá de atender a pelo menos 3 dos seguintes pré-requisitos:

I - conhecimento e desempenho de suas funções de acordo com as metas a serem alcançadas;
II - empenho no exercício das funções e contribuição para o seu aperfeiçoamento;
III - aprimoramento através de cursos e estágios;
IV - desenvolvimento de liderança e trabalho em grupo;
V - participação em comissões e grupos de trabalho especiais;
VI - elaboração de trabalhos em sua área de formação profissional;
VII - prestação de apoio técnico e atuação como docente em cursos voltados ao aprimoramento do conhecimento dos servidores dentro de sua área de formação profissional.

Ou seja, se ele “conhece e desempenha as funções de acordo com as metas a serem alcançadas” (não seria essa uma obrigação básica?), se “empenha” no exercício das funções (idem...) e participa em “comissões e grupos de trabalho” (nada de tão excepcional), já pode receber uma gratificação de 38% (se ocupar “cargo ou função de nível superior”). Achei fácil demais, discutível demais...

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Além disso, transferem-se ou criam-se cargos que eu não tenho nenhum elemento para avaliar se são mesmo necessários. Claro que, se já não tivesse outros motivos para votar contra o PL, deveria me informar sobre eles para formar uma convicção.

Na verdade, a minha convicção é de que a própria existência do TCM é muito discutível. As funções executadas por ele podem ou devem ser exercidas por outras instâncias, outros órgãos públicos. O TCM, apesar do nome, não é um “tribunal” - é um órgão auxiliar do Legislativo. Ele emite pareceres e toma decisões que não equivalem a uma sentença judicial. E embora seja, em princípio, um órgão “técnico”, as nomeações dos Conselheiros são políticas – e vitalícias! E ele é caro, muito caro. Custa, por ano, quase a mesma coisa que a Câmara Municipal. Eu sou muito mais a favor da extinção do TCM do que da sua reforma administrativa...

PS2: Acabo de saber que a votação desse PL foi adiada. Fica para outro dia".

terça-feira, 16 de setembro de 2008

"Por que não falou antes?"??

Depois da minha Sabatina no Estadão, em que eu disse que a aprovação de Projetos de Lei na Câmara Municipal sempre se dá em função de algum tipo de acordo – e que existem acordos que atendem ao interesse público, e outros nem um pouco (como se fosse uma novidade para alguém!) – algumas pessoas reclamaram: “E por que ela nunca disse isso antes?”.

Ah, eu disse, e como disse... Muitas vezes. Por exemplo, em todas as edições dos meus balanços de mandato (livretos de prestação de contas que a gente batizou de “Gabinete de Bolso”). Foram feitas e distribuídas milhares de unidadesdeles, que também ficaram disponíveis no meu site em PDF.

Fiz um apanhado dos textos em que me queixei da Câmara, para facilitar a leitura dos interessados no tema. Veja aqui, em três partes: 1, 2 e 3.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

"Notoriedade"

Recebi a seguinte mensagem de alguém que assinou “Não Interessa da Silva”:

(Legal, né? O cara escreve para o meu email, mas esconde o dele... Ah, como é bom ser anônimo... Por que não bancar a própria opinião, assinando embaixo?)

“Sexta-feira, 12/Setembro/2008, 12:08:17 - Marta vira alvo de Alckmin, Kassab e até de Soninha no debate”

[É uma notícia da Agência Estado - Comentário dele:]

Quá, quá, quá... "ATÉ". Para mim significa que qualquer um ataca a Marta em busca de alguma notoriedade, ATÉ a Soninha.

Sabe qual foi o “ataque”? Eis a notícia completa:

SÃO PAULO - A candidata do PT à Prefeitura de São Paulo, Marta Suplicy, foi o alvo das críticas no segundo debate da TV Bandeirantes. Até a ex-petista Soninha Francine, do PPS, duvidou da afirmação de que Marta fez 100 quilômetros de corredores de ônibus. "Eles começaram a ser feitos desde a gestão do Covas", afirmou. O prefeito Gilberto Kassab, candidato do DEM, e a petista polarizaram a discussão no terceiro bloco, defendendo as respectivas gestões. Marta acusou Kassab de falta de planejamento para "gastar o dinheiro em coisas de que a cidade realmente precisa". Então Kassab respondeu: "Tomara que Marta não ganhe a eleição, senão ela vai quebrar a Prefeitura." Marta e Kassab também discordaram sobra as Organizações Sociais (OSs) que cuidam da gestão da saúde.

Em primeiro lugar – isso que eu fiz foi um “ataque”?

E, em nome do bom jornalismo, o certo seria verificar quem tem razão... Eu não “duvidei” da afirmação de Marta; eu não “afirmei”, da minha cabeça, que os corredores começaram a ser feitos desde a gestão do Covas. Esses são os fatos. A Marta MENTIU, simples assim. Se dizer “mentiu” for um “ataque”, podemos dizer que “faltou com a verdade”...

Aos dados:

São Paulo tinha, em 2006 (dois anos após o fim do governo Marta), 104 km de corredores. O Santo Amaro – Nove de Julho tinha 14,5 km. Foi INAUGURADO em 1984 (governo Covas). E reformado em 2004, pela Marta. Muito bem reformado, especialmente no trecho Nove de Julho, mas não foi ela quem FEZ. O Paes de Barros tem 4 km e foi inaugurado em 85. O corredor Cachoeirinha tem 12,5 km e foi inaugurado em 91 (Erundina). A Marta também o reformou em 2004. O de Itapecerica, de 8,4 km, inaugurado em 98 (Pitta), foi reformado em 2004. Foram efetivamente inaugurados em 2003 e 2004 os corredores Pirituba-Lapa, Guarapiranga, Ibirapuera, Rio Bonito e Rebouças, em um total de 64 km FEITOS na gestão da Marta. (Que é o número que o próprio PT usou em seu programa de TV alguns meses atrás).

A Marta REFORMOU, sim, vários quilômetros corredores - se contarmos, por exemplo, a extensão completa do Nove de Julho-Santo Amaro, dá 35,4 km deles. O próprio material de divulgação do PT falava em reforma de 4,5 km, mas tudo bem.

Se a gente puder chamar reforma de “realização”, todos os números dos demais candidatos serão inflados também...

E eu queria saber também o porquê do “até”. A Marta é a líder das pesquisas de intenção de voto e até outro dia foi prefeita. Será que não é natural que ela seja “alvo”? Que suas promessas sejam confrontadas com suas obras? A Marta, no meu lugar, pouparia o líder, o deixaria mentir em paz? E eu não sou candidata à prefeitura, tanto quanto os outros?

O também ex-petista Ivan Valente e Ciro Moura atacaram a Marta. E “até” o Maluf – que, assim como eu, fez campanha para a Marta no segundo turno em 2004...

Eu critiquei o Maluf, o Kassab, o Alckmin. Os que já estiveram “lá”. Mas não posso falar da Marta, senão é “busca pela notoriedade”.

Então tá.

****
No primeiro debate na Bandeirantes, algumas pessoas se espantaram com a minha disposição em reconhecer boas realizações das administrações anteriores. Antes de questionar a Marta sobre o gasto em túneis e o projeto da ponte estaiada X a interrupção das obras do Fura-fila, reconheci (como não reconhecer?) o que ela fez de bom na área dos transportes. Sem falar que vivo defendendo os CEUs, por exemplo. E a própria Marta, quando alguém vem associar o infeliz "relaxa e goza" ao acidente da TAM.

No segundo debate, reconheci também avanços na área da Educação e do Meio Ambiente no governo Kassab - simplesmente porque eles aconteceram. O Eduardo Jorge mudou a política ambiental de patamar; é um grande cara, que também se encheu do PT bem antes de mim (e saiu do governo Marta porque não aceitava loteamentos e os novos encaminhamentos da política de saúde, que daria menos importância ao PSF, por exemplo, em favor de obras mais vistosas). E o Schneider, como já comentei aqui antes, teve uma disposição admirável (raríssima em um tucano, hehehe) de negociar com a categoria dos professores a reorganização de sua carreira.

Ah, mas isso o PT não admite... Reconhecer avanços do governo do PT, ok. Elogiar qualquer coisa do governo Kassab, aí não. Embora todos os candidatos, Marta inclusive, mantenham sempre aquele discurso básico de "manter o que foi bom, modificar o que não deu certo". Só não pode dizer para o eleitor "o que foi bom"... Fica no ar.

Na platéia da Band, aquele dia, alguns petistas ficaram fazendo graça. Adriano Diogo, ex-secretário do meio-ambiente, que já me avacalhou (não tem outra palavra) na tribuna da Assembléia, mandou um "o amor é lindo".

Depois eu que sou "juvenil". Haja saco.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Contagem regressiva

Para a perda dos meus direitos políticos...

Aviso de um vereador “amigo” para um assessor do gabinete: “Você sabe que a Soninha vai ser cassada, não sabe? Mas só depois da eleição”. Como se eu não soubesse que é essa a estratégia.

Ontem, Wadih Mutran trouxe o assunto à tona (aprovação de projetos sempre mediante algum tipo de troca) no microfone de aparte. “Os jornais estão dizendo que a vereadora Soninha foi pressionada. Não foi não. Mas eu queria ver se fosse com eles! O que eles iam fazer se ela falasse deles o que falou dos vereadores !”. Fui lá me defender: “Vereador, vocês confirmaram uma parte do que eu disse e ainda dizem que é assim que tem de ser: para aprovar projetos, tem de haver uma negociação que envolva algum tipo de troca, um acordo. Eu acho que não deveria haver troca nenhuma. Em todo caso, a troca, o acordo, pode ser feito em função do interesse público ou não... Se alguém vota em um projeto que considera ruim porque foi atendido em seu pedido, o interesse público foi prejudicado. Se não vota em projeto bom porque não foi atendido, também. E se vota em troca de dinheiro, não tem nem o que discutir – para mim, a pior das hipóteses, a menos que a gente pense em ameaças de morte...”.

Enquanto eu falava e ele ameaçava retrucar, os vereadores à Mesa, especialmente o presidente, faziam sinais para ele encerrar o assunto ali mesmo. Ele voltou ao microfone apenas para informar, como Corregedor, que recebeu o pedido de abertura do processo contra mim na Corregedoria. Que, apesar do tema estar pegando fogo, não deu quórum ontem...

Claro que eles vão deixar passar as eleições, quando eu tiver menos destaque na mídia, para seguir com o processo. Até parece que muda alguma coisa para mim... Se eles recomendarem a minha cassação, se ela for aprovada em plenário, ok, perco meus direitos políticos por oito anos... E vou lá fazer meus trabalhos com população de rua, internos da Fundação Casa, em favelas e quebradas.

Depois eu volto.

***
Sobre os quatro vereadores que citei na sabatina do Estadão: foram os que eu lembrei, na hora, que já haviam se manifestado publicamente contra esse modelo de tramitação e aprovação de projetos – que é muito lento ou muito acelerado conforme os tais dos acordos políticos. Montoro (atualmente deputado eleito e Secretário de Participação e Parcerias) criticou várias vezes a realização de Congressos de Comissões; Natalini já se indispôs mais de uma vez com os demais, tendo sido inclusive chamado à Corregedoria; Neder também não votou no presidente da Casa na última eleição (como quase toda a bancada do PSDB) e ficou ouvindo gracinhas e desaforos no anexo do plenário; Chico Macena se recusou a acompanhar a bancada na votação do CONPRESP e foi impedido de explicar seu voto contrário no plenário...

Não são os únicos, mas são os que me recordo mais claramente de se manifestar em público. Outros também se queixam, mas reservadamente – não vou expô-los à pressão dos colegas e da imprensa sem saber se eles estão dispostos a isso.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Hoje tem debate na Band

“E aí, você vai de bicicleta?”

Vou não.

Da primeira vez, foi TÃO legal, que a gente foi da Paulista até a Band falando “Vamos juntos de bicicleta a TODOS os debates! Globo, Record, todos! (Queria só ver se ainda tivesse o da RedeTV!, lá em Alphaville...)

Quem era “a gente”? Um grupo de umas duas ou três dezenas de ciclistas e cicloativistas – gente que usa a bicicleta como meio de locomoção e pede melhores condições para elas e mais respeito de todos. Que lembra que ela ocupa pouco espaço, não polui, não piora o aquecimento global, não faz barulho. Que é gostoso pedalar, ver as pessoas em volta, os detalhes da cidade. E que muitas outras pessoas pedalariam também se fosse mais seguro e mais prático (estacionar a bicicleta ainda é um problema na maioria dos lugares – tem cabimento?).

Por que eu fui de bicicleta daquela vez? Para demonstrar que é possível, sim, pedalar por aí – mesmo com as condições horríveis de hoje em dia (a travessia da ponte da Eusébio Matoso foi aterrorizante. Já é tenso para os carros e motos....). Que não é preciso ser atleta para isso (quem dera eu fosse...). Para lembrar que os ciclistas existem; para fazer um manifesto a favor deles.

E foi muito gostoso. Saí de casa pedalando, o que já é um belo meio de começar o dia. Fui à Câmara, passei o dia lá, no fim da tarde subi (pela Augusta) até a Paulista. É subidinha, mas dá para encarar muito numa boa – e é dez vezes melhor que a Consolação, tensa e apertada. Na Praça do Ciclista, encontramos os outros todos e nos preparamos para sair, pouco depois das 20:00. Fiquei com medo de me atrasar, mas o André Pasqualini, do CicloBr, tranqülizava - “dá menos de uma hora, com certeza”.

Finalmente saímos. Descer a Hadock foi muito, muito bom – mesmo com a tensãozinha de estar embalado e com medo de algum carro estacionado abrir a porta de repente. Fomos atentos, cautelosos, e fazendo festa. Cantando “Invasão das Bicicletas”, verdadeiro hino da Bicicletada.

Andar pelas ruas largas, arborizadas e tranqüilas dos Jardins, nas paralelas à Rebouças, também foi demais. Foi quando começou o coro divertido: “Se a Soninha não ganhar, olê, olê, olá... Vou pra Bogotá!” (onde foi feita uma revolução pró-ciclistas).

A subida da Morumbi foi mais cansativa, mas não a ponto ficar de língua de fora. Ainda mais porque uns ajudam os outros; os mais fortes e mais experientes empurram os demais, formando uma cadeia semelhante à das aves voando em “V”. Pior mesmo foi lidar com o estresse dos motoristas. Como éramos muitos, acabamos ocupando uma pista inteira, e na ladeira fomos mais lentos, mas nada de insuportável. Se cada um de nós estivesse em um carro, seria dez vezes pior... Mas o “piloto” de uma SUV ficou tão impaciente que nos ultrapassou na faixa dupla, em uma curva de alta velocidade para quem vinha no outro sentido, e quase provocou um acidente horrível. Para não bater de frente, freou na curva, balançou... Mais um pouco, capotava. Santo Deus. Queria ir a 70 por hora por que, pra quê? Avenida não é estrada...

Mas como foi bom chegar até lá pelo próprio esforço, ofegante, transpirando, com calor apesar do ar frio... Gastando energia, oxigenando o cérebro.

E mesmo assim, não vou de bicicleta desta vez? Não, por dois motivos basicamente: para a minha campanha não virar folclore. Tudo bem dizerem que eu sou “a da bicicleta” - sou mesmo. Mas essa não é a única e nem mesmo a principal bandeira da nossa candidatura. Nem ao menos é a principal proposta para o trânsito, é UMA delas. E também para a própria bicicleta não virar folclore ou “marketing”. É um meio de locomoção para ser levado a sério.

(E qual é a principal bandeira de nossa campanha? São ao menos duas: se não corrigirmos a imensa desigualdade regional em São Paulo, o abismo e as distâncias entre as regiões ricas, bonitas, bem providas de todos os serviços públicos e privados, e as regiões mais pobres, precárias, feias e carentes de tudo, nenhum dos outros problemas (na educação, saúde, meio ambiente, trânsito e transporte, segurança, desenvolvimento econômico e social) terá solução de verdade. A outra: é perfeitamente possível fazer política (já desde a campanha eleitoral) e administrar a cidade de modo diferente. A primeira parte, já estou fazendo. A segunda depende de me colocarem lá na chefia :o)).

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

"Diga nomes!"

Muitas vezes me perguntaram “Que tal a Câmara?”, ou “Que tal ser vereadora?”, e eu respondi “um inferno”. “Não só por causa dos problemas que todo mundo conhece ou imagina, como a corrupção, nem pela dificuldade de lidar diariamente com o confronto de idéias, posturas e visões de mundo muito diferentes, mas sim porque o resultado do seu trabalho não tem nenhuma relação com o tamanho do seu esforço. Depende, sim, dos acordos que você for capaz de fazer. A organização da pauta e a votação de projetos em plenário depende exclusivamente de entendimento entre os autores, e não da qualidade e urgência do seu conteúdo”.

Depois de uma das entrevistas em que disse isso (à revista IstoÉ Gente), houve tensão e tumulto aqui na Câmara. “Tem corrupção? Então diga quem! Diga quando! Você será punida – por saber de corrupção e não ter denunciado, o que era o seu dever. Ou por ter feito acusações falsas, o que é crime”.

A reunião do Colégio de Líderes, à qual eu não estava presente, foi tensa. Alguns vereadores disseram, furiosos: “A santinha! Fuma maconha e vem falar de corrupção”, me contaram colegas. No plenário, o tom foi "melhorzinho": “Eu sou a favor da família, sou contra as drogas.(...) Queria saber o que a vereadora quis dizer com essas acusações”, disse um vereador no microfone de aparte.

***
Naquela ocasião, respondi: “Por acaso os senhores não sabiam que na política tem corrupção, de várias maneiras? Não somos procurados para “dar um jeito”, “quebrar um galho”, passar alguém adiante na fila?”. Nem me lembro mais que exemplos dei na época.

“A senhora sabe ou não sabe de algum caso concreto de corrupção envolvendo vereadores da Casa?”. “Se eu soubesse, já teria feito a denúncia à Corregedoria”. Claro que saber sem provas, por ouvir alguém contar, não serve – e alguém aí nunca ouviu, de fontes próximas ou distantes? Em todo caso, não, eu não tenho provas contra nenhum vereador. E eu nem estava falando de corrupção na Câmara, especificamente, mas na política de modo geral. E aí se incluem todos os Parlamentos, o Poder Executivo, os Tribunais de Contas, os partidos, o diabo.

“A vereadora disse que nenhum vereador desta Casa é corrupto. Eu estou satisfeito com a resposta”, disse um colega. Não foi isso que eu disse, mas depois de entender a entrevista a seu modo, resolveram interpretar também a minha declaração em plenário de modo peculiar. “Tem corrupção” tinha virado “todos são corruptos”; “eu não tenho dados concretos” virou “eles não existem”.

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O Corregedor me pediu explicações por escrito, eu dei. Os membros da Corregedoria aceitaram a explicação e o caso se encerrou ali.

Ou quase: alguns dias depois, o presidente veio cobrar o fato de eu ter assinado a lista de presença sem que ele tivesse me visto no plenário. “Eu vim até aqui, vi que não estava acontecendo nada de relevante e subi para minha sala, de onde acompanhei a sessão pelo monitor de TV”. “Mas então você não estava no plenário e assinou a lista? Você não é a honesta?”. Fiquei com tanta raiva que risquei meu nome da lista.

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Depois e antes daquela entrevista, já me queixei mais mil vezes sobre o modo de funcionamento do Parlamento. Em palestras, no plenário, na reunião do Colégio de Líderes, em audiências públicas aqui mesmo na Câmara, muitas vezes na presença de outros vereadores. E sempre ouvi dos colegas o que ouvi ontem também no plenário: “É assim aqui ou em qualquer lugar do mundo”. Como se o Parlamento fosse um planeta isolado, com uma lógica à parte, sem necessidade de responder ao mundo exterior.

Já durante a campanha eleitoral, em entrevista à Band News, eu falei de novo: “Os projetos não são aprovados em função de serem bons ou ruins, e sim como resultado de acordos, em que sempre se estabelece algum tipo de troca”. (Veja um post sobre isso aqui). Já havia falado à CBN e a diversos jornais.

Sexta passada, falei na Sabatina do Estadão – acrescentando (não pela primeira vez) que essa troca pode ser mais republicana... ou menos. Na pior das hipóteses, a troca envolve vantagem financeira direta ou indireta. (Direta: “Pague que eu aprovo seu projeto”. Indireta: “Nomeie um cara meu que eu aprovo”, e o “cara meu” vai comandar algum esquema ilegal de arrecadação de recursos, ou devolver parte do seu próprio salário para o político em “agradecimento”, etc., etc.). Será que existe hipótese ainda pior? Bom, há lugares pelo Brasil em que os pedidos podem ser mais pesados, tipo "a cabeça de fulano" (literalmente).

***
Não é raro alguém mais velho e experiente fazer cara de desdém: "Tolinha, e você não sabia que era assim?". Não, eu não sabia que as votações eram TODAS combinadas antes. Que o projeto só é votado quando já se sabe o resultado. Que os vereadores não decidem ali, em função de seu próprio juízo, votar "sim" ou "não", mas seguem o que foi combinado pelos líderes. "Votem sim!", grita o líder de um lado. "Votem não!", grita o líder do outro bloco. Parece que há uma tremenda disputa em curso; se houver público nas galerias, ficarão apreensivos, querendo saber quem vai ganhar. Mal sabem que só falta acertar o placar exato, porque a coluna (1 ou 2) já está definida. A vitória pode ser por 40 X 12, 34 X 10... Mas a Sessão foi aberta já com o conhecimento de quais projetos seriam aprovados, quais seriam adiados, quais seriam derrubados.

Também não sabia que o presidente das Comissões não era eleito por seus pares, mas decidido pelos mesmos líderes. "Constituição e Orçamento ficam com o Centrão, Saúde é do PT, Educação também... O PSDB não vai presidir nenhuma porque rompeu acordo". Não sabia, porque no dia da eleição dos presidentes, os vereadores declaram seu voto como se ele fosse totalmente espontâneo: "Voto em meu colega, grande vereador, fulano de tal". Alguns, mais contrariados, deixam registrado: "Seguindo deliberação da bancada, voto em fulano". Quem é da Casa sabe que essa é uma suave manifestação de descontentamento - que é aceita porque não foi explícita e porque, afinal, respeitou-se a disciplina partidária, o acordo entre os líderes.

“Juuura que não sabia? Tsc, tsc”. Uai, eu acompanhava a política pelos jornais. Se quem sempre soube de tudo não contou, como é que eu ia adivinhar?

***
Pois é, dizer que votações são decididas na base de trocas e reciprocidades não é novidade nenhuma – novidade é dizer que é SEMPRE assim. Mas dizer que tem gente que até cobra $$ para votar assim ou assado é tão revelador quanto contar que a primavera vem depois do inverno. Mas, de novo, causou rebuliço.

Agora, tanto os vereadores quanto os jornalistas cobram: “Dê nomes! Dê nomes!”. Parece que, sem contar quem foi, quando, onde, por quanto, por que, não se pode dizer “tem gente que vende voto” – sob pena de ser cassada ou, quem sabe, “apenas” desmoralizada. Não, não vou dar uma de louca, não vou sair dizendo “eu sei, eu vi, eram 30 mil reais por mês!”, como fez o Roberto Jefferson (e não eram 30 mil reais por mês...). Não, porque eu não sei quem, quando, onde, por quanto. Nunca fui convidada para conversas secretas em que se discutiam valores.

Mas presenciei inúmeras discussões de pauta em que os vereadores diziam alto o suficiente para qualquer um ouvir: “Não vamos votar nenhum projeto do governo. O prefeito tá sem moral na Casa. Não aprovou meu projeto/ não executou nossas emendas/ não atendeu meu pedido”. Aliás, isso já foi dito em plenário, no microfone. “Se o prefeito quer aprovar projeto aqui, vai ter de conversar com a gente. Ser da base do governo tem um ônus; tem de ter um bônus”.

Em Brasília, noticia-se com a maior naturalidade que o PMDB quer cinco ministérios, que não sei quem exige a diretoria de uma estatal, que é preciso liberar não-sei-quantos cargos de segundo escalão... O líder do PR na Câmara reclamou, quando o governo anunciou contingenciamento de recursos depois da não-prorrogação da CPMF (uma das raras votações “sem acordo” nos últimos tempos): “Se não for executar nossas emendas, vamos ter de voltar a falar em cargos”.

Pois bem, muitos ficam horrorizados com as palavras “vender” e “dinheiro” relacionadas a “votar”. “Quem vendeu, quem?!”. (Catz, alguém aí já ouviu falar em Valerioduto e outras “mesadas”? Em anúncios da Nossa Caixa?) Justo essa parte não é novidade. (O que eu não sabia, e aprendi aqui na Casa que é possível, é que às vezes se pede dinheiro para DEIXAR DE VOTAR um projeto – que já é apresentado justamente pra isso, para apavorar alguém (um setor, um grupo) a tal ponto que esse alguém topará pagar para evitar que aconteça).

Realmente, é horrível. Mas e o resto, tudo bem? Os acordos, a inevitabilidade de se estabelecer algum tipo de troca...É normal? O fato de alguns projetos bons ficarem anos e anos e anos e anos estacionados enquanto outros menos importantes logo vão a votos, de modo que cada vereador tenha um projeto aprovado e todos fiquem felizes... É ok? O fato de o governo – todo governo – ter de entregar alguma coisa para que um projeto considerado relevante seja aprovado; de um projeto considerado ruim pelos vereadores ser aprovado porque eles receberam algo em troca, é aceitável? Já estamos todos tão calejados, tão ásperos que já achamos que tudo bem se ficar só nisso?

Bom, se só eu não me conformo, aí o Apolinário tem razão: tem pessoas que até podem ser boas jornalistas, boas comentaristas esportivas, mas não sabem ser Parlamentares. Não servem para isso.

A Educação, a falta de educação e a perda momentânea da noção

A culpa, pra variar, é do mordomo.

Caiu o marqueteiro do Alckmin. Parece que há um consenso de que a propaganda eleitoral é “muito ruim”.

Eu não tenho muita paciência para Horário Eleitoral, mas já assisti algumas vezes. Sei lá, me pareceu um programa tucano como todos os outros... Talvez com menos brilho técnico, mas é o Alckmin de sempre, com o discurso de sempre...

(Uma diferença me chamou bastante a atenção: agora o Alckmin aparece nas fotos oficiais com a cabeça toda. Antes, cortavam o retrato na altura da testa, e a parte careca não aparecia... Eu não me importo a mínima com essas coisas, mas os marqueteiros se importam muito. Vacilaram?)

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O marqueteiro, por sua vez, caiu atirando – no vilão de sempre, o Serra. Afe.

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Ontem, no debate sobre educação do movimento Nossa São Paulo, havia dois tucanos à mesa: o Secretário da Educação do município, Alexandre Schneider, e o deputado federal e ex-ministro da Educação, Paulo Renato de Souza.

Schneider fez um bom trabalho – bem melhor, aliás, do que o antecessor, e nisso reside uma das muitas ironias dessa aliança fraturada (DEM-PSDB).

Quando o prefeito era tucano, o Secretário era Democrata (o Pinotti). Com a melhor das intenções, quis implantar, de um dia para o outro, o período integral nas escolas, com o programa São Paulo É Uma Escola.

Não deu nada certo. Por um lado, porque você não consegue resolver estes problemas todos ao mesmo tempo: a lotação das salas de aula (a média no município não é ruim, é de 33 alunos – mas é média, o que significa que em alguns lugares tem mais do que isso), o número de turnos por escola e o tempo de permanência em sala de aula.

Assim, com o número de escolas e salas existente, para as crianças ficarem o dia todo na escola, implantou-se o caos – imagine o serviço da merenda como ficou... Os pátios...

A Sala de Informática, que era usada no período de aula, virou espaço para atividades no contra-turno. Os professores que vinham usando o computador no processo de aprendizagem arrancaram os cabelos. O mesmo ocorreu com a Sala de Leitura.

Enfim, um desastre – agravado pelo fato de que o programa foi instalado na base do “cumpra-se”. Sem discutir, sem perguntar nada para os professores, sem ouvir as queixas ou sugestões deles, sem respeitar as diferenças entre as escolas.

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Entrou o prefeito Democrata, veio o Secretário tucano – e tudo mudou. A maior das qualidades dele é ter a maior disposição para escutar. Para fazer milhões de reuniões com os sindicatos para definir a reestruturação da carreira, por exemplo. Com representantes da classe artística que pediam uma política de ocupação dos teatros dos CEUs baseada na publicação de editais. Com os preocupados com a continuidade do programa Educom.radio. Secretário que inúmeras vezes pediu opiniões da Secretária do governo Marta, a Cida Perez. Que foi a um debate na quadra da União de Moradores de Heliópolis e bancou um projeto muito legal que unirá vários equipamentos públicos (creche, escola estadual, escola municipal, praça) e criará alguns (como uma escola técnica estadual, quadras, etc.), ignorando olimpicamente a recomendação de alguns colegas dele: “Fazer o que lá? É tudo petista... Você vai ver que não vai adiantar nada, no fim eles votam tudo no PT”.

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Nessa gestão, algumas medidas simples ajudaram a diminuir o absenteísmo – que, como o sufixo indica, não é sinônimo de falta justificada, mas de exagero, abuso, falta de comprometimento. E os professores finalmente conseguiram algo que reivindicavam há tempos: a incorporação de gratificações sobre o vencimento-base. Por que é tão importante? Porque a gratificação pode, em tese, ser suprimida de um dia para o outro (ninguém seria louco de fazer isso, em todo caso...); porque o vencimento serve para cálculo de vários benefícios; porque ele é (e será) o valor da aposentadoria.

Claro que a categoria não ficou 100% satisfeita, mas não pode negar que foi um avanço.

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Em um de seus primeiros esforços para ouvir os professores sobre o São Paulo É Uma Escola, o Secretário pediu comentários (críticas, sugestões) por escrito.

Em um debate na faculdade Cásper Líbero, uma professora da rede municipal veio se queixar comigo sobre a falta de diálogo com o governo. “Ué, mas o Secretário está pedindo para as escolas se manifestarem!”. “É nada, é só pra constar. A gente manda pra Coordenadoria e a coordenadora não encaminha nada, faz um relatório dizendo “aqui na nossa região está tudo ótimo, ninguém tem críticas”. É tudo mentira”.

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Tem muito disso por aí. (Eu ia escrever “no setor público”, mas lembrei de uma história dos tempos de MTV. Éramos seis pessoas no departamento de produção, que fazia os textos de todos os programas com VJs – 3 produtores e 3 assistentes, eu e mais duas. Uma das produtoras saiu depois de brigar com o chefe. Já trabalhávamos muito – não havia internet, nem ao menos computador. Buscar informações sobre os artistas era tarefa para garimpeiros. Eu chegava às 10:30 e saía às 2 da manhã. Com a saída dela, piorou. As tarefas foram redistribuídas “enquanto não se contratasse alguém”. Passava o tempo, e nada. Pedíamos socorro: “Tá muito difícil, muito pesado!”. O chefe dizia: “Eu estou pedindo uma contratação, mas a direção não está liberando a vaga”. “Como não está liberando? A vaga já existia!”. “Estou tentando...”. Uns quinze dias depois, houve reunião na diretoria. Fiquei sabendo pelo chefe de outro departamento que, diante de um apelo geral para “enxugar despesas”, nosso chefe declarou o seguinte: “Eu eliminei uma vaga na produção e está tudo funcionando muito bem”).

Enfim, a coordenadora achou por bem mentir para o chefe – imaginando que era nisso mesmo que ele estava interessado, em um termômetro falso da satisfação das pessoas... Como se fosse super, super útil dizer “aqui vai tudo muito bem”, com todo mundo infeliz.

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Ele teve vários problemas com coordenadores – por exemplo, ao desligar alguns que haviam sido nomeados por vereadores da base governista, sem nenhum critério de qualificação para o cargo. Fez questão de consultar os profissionais da região para indicar servidores com real conexão com a rede.

Em represália, vereadores da base governista foram pra cima dele na Câmara, convocando-o para dar explicações sobre isso e aquilo nas Comissões. O pior é que quem vê pensa: “Puxa, que comportamento republicano, eles estão pegando no pé do Secretário do seu próprio governo!”.

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As melhores intervenções no debate foram as do Schneider, que representava o Kassab, e da Cida Perez, falando em nome da Marta.

Claro que, em um debate sobre o programa de governo dos candidatos para o qual os próprios foram convidados, a presença de representantes é uma decepção, e dá impressão de descaso (pode ter sido ou não). Mas o fato é que a discussão foi muito melhor com eles do que teria sido com os titulares. Marta e Kassab ficariam se cutucando, se acusando, trazendo à mesa outros assuntos, fazendo ironias. Mesmo que não fossem lá dispostos a isso (se é que é possível), ao menor movimento de um, o outro reagiria no mesmo tom. Mas o Secretário e a ex-Secretária falaram de coisas bem concretas.

Ele disse quantas vagas em creches havia no final do governo Marta e quantas há agora – um crescimento considerável nessas duas gestões em relação às anteriores (Maluf e Pitta). Mas o número de crianças não atendidas ainda é gigantesca – em parte, porque o nível de emprego cresceu, especialmente entre as mulheres (o que ele atribuiu à estabilidade econômica do governo Lula...), e a demanda aumentou mais do que a média dos últimos anos. Para atender a ela, seria necessário construir 600 novas creches – coisa que não se faz da noite para o dia (e não é só um problema de grana, mas muito mais de falta de lugar). O governo lançou, então, um edital de PPP, Parceria Público Privada, prevendo que o setor privado adquira terrenos, construa, e a prefeitura possa então usar as instalações.

Cida Perez falou da possibilidade de realização de concursos regionalizados, o que acho ótimo. O processo de seleção de professores precisa ser muito aprimorado. Não pode ter um “provão” e acabou, depois é só distribuir os professores pelas escolas.

Já o Paulo Renato, representando o Alckmin, foi incrivelmente vago. Uma das coisas mais concretas que falou foi sobre a dificuldade para encontrar áreas para construção de novas escolas (se não a única). De resto, o incontestável de sempre: “nosso programa prevê a ampliação do número de vagas em creches e escolas de educação infantil”; “é preciso melhorar a qualidade do ensino”; “educação é a chave para um país melhor”, essas coisas.

Renato Reichman defendeu suas teses sobre a importância dos primeiros anos de vida; Ivan Valente bateu na tecla do orçamento e do número de alunos por sala; Edmilson Costa falou sobre qual deve ser, em sua opinião, o papel, o objetivo da educação. Dos três, ele foi o que eu mais gostei.

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“Por que chegamos a esse estado de coisas tão ruim na educação?”, me perguntaram. Não tem uma resposta só. Por desleixo, por exemplo, com as instalações – a parte mais fácil de todas de resolver. Entre tantas outras questões complexas, reformar os prédios, transformá-los em lugares decentes, convidativos e acolhedores, dotá-los dos recursos mínimos para o desenvolvimento das atividades educacionais é o de menos. Mas a rede municipal tem problemas, e a rede estadual quase que é só problema. Alguns dos prédios públicos mais horríveis em que estive nos últimos tempos são escolas estaduais. O pátio do (bom) presídio feminino Talavera Bruce, no Rio de Janeiro, é mais simpático do que o de uma escola que visitei em Mauá (Grande São Paulo) em 2005 – este parece mais uma cadeia do que aquele.

Mas boas instalações não resolvem tudo – os CEUs são lindos mas a qualidade de ensino das escolas dos CEUs, nem sempre.

O preparo, as condições dadas e as exigências feitas aos professores também têm problemas sérios. E decorrem, às vezes, de outras carências. Quando um biólogo, matemático, engenheiro, só presta o concurso público porque não conseguiu emprego na sua área e não porque quer ser professor, fica difícil ter um bom desempenho em sala de aula.

E tem a desigualdade, a miséria, a falta de segurança, o desemprego, a desatenção à saúde, o desamparo psico-social...

A Vejinha desta semana trouxe uma matéria muito mais interessante do que foi o debate sobre Educação no aniversário de 40 anos da nave-mãe: professores que dão aula em boas escolas particulares e em escolas da rede pública relatam a diferença de experiências. Vale a pena ler.

Alguns trechos:

“Certa vez, [a professora Débora da Costa, que trabalha no conhecido “Gracinha”, no Itaim, e no Jardim Ângela] convocou a mãe de um aluno bagunceiro para relatar os problemas que estava tendo. No dia seguinte, soube que o menino de 9 anos havia levado uma surra em casa por causa da queixa”.

“Na prática, a presença de um professor capacitado parece não ser suficiente para garantir o aprendizado. Além das notórias carências na infra-estrutura da rede pública, o contexto familiar é um fator decisivo na evolução de uma criança ou adolescente. “Nos colégios privados, quando os alunos têm dificuldades os pais contratam professores particulares ou psicólogos”, comenta Laís Carvalho [outra professora]. Na rede pública isso é mais raro”. Para piorar: “Uma das minhas alunas, de 10 anos, precisa limpar a casa todos os dias porque a mãe trabalha fora”, diz Laís. “Não tem tempo de fazer as lições”.

Eles também fazem comparações entre a independência forçada dos alunos da escola pública – um número muito maior deles volta sozinho para casa, em comparação com os de escolas privadas. Isso se reflete na postura em sala de aula.

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Eu me bato muito na história das distâncias. Se uma mãe precisa sair de casa às cinco da manhã e só chega às oito da noite, porque passa seis horas na condução indo e voltando do trabalho, seus filhos precisam de cuidados alheios por 15 horas. Não há sistema de educação que dê conta satisfatoriamente, por melhor que ele seja.

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Agora o pessoal da campanha do Alckmin, nesse movimento clássico de culpar o Serra por tudo o que ele não consegue fazer (tipo se eleger presidente), vem com a seguinte tese: “Segundo interlocutores, não há mais clima para pedir a Alckmin que evite o confronto direto com o democrata. Kassabistas se empenharam nas últimas semanas para impedir que Alckmin atacasse a atual gestão. O temor era de que a briga entre antigos aliados acabasse naufragando a possibilidade de DEM e PSDB voltarem a se coligar no segundo turno”.

Peraê, vamos colocar as coisas em ordem:

1) Se os “kassabistas se empenharam” eu não sei; o que eu sei é que o Alckmin escolheu, desde o começo, atacar a atual gestão. Que é MUITO MAIS TUCANA do que “kassabista”. Secretários tucanos: Educação, Assistência Social, Saúde, Planejamento, Participação e Parcerias, Coordenação das Subprefeituras, Governo, Esporte... Fora os não-tucanos que foram nomeados pelo Serra e ficaram, como Eduardo Jorge (meio ambiente) e Calil (Cultura). E outros. É muito louco terem de pedir para o Alckmin não atacar a gestão deles... Criticar? Ok. Mas descer o pau é demais...

2) O temor era o naufrágio da aliança no segundo turno? Ah, vá! O pior é que certamente essa análise é feita com base nas vaidades e orgulhos, mágoas e birras da política, quando deveria ser escorada em outra constatação lógica: se no segundo turno o Alckmin espera (esperava?) o apoio do Kassab e dos kassabistas, qual o valor desse apoio depois de detonar a gestão do próprio? “Olha, eles foram uns baita de uns incompetentes, mas agora me apóiam e por isso eu conto com seu voto”.

É, pensando bem, talvez seja mesmo o caso de demitir o marqueteiro.

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Ah, como é bom se ocupar dos problemas dos outros momentaneamente, e deixar os nossos de lado! :o) Depois eu escrevo sobre a Câmara...