quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Ficha suja

Já me perguntaram muitas vezes sobre os candidatos de “ficha suja”.

O que eu penso sobre o assunto?

Eu também me perguntei... Preciso organizar a resposta em partes (enquanto assisto à Sessão do STF que “julga ADPF que permite negar o registro de candidatura a políticos que respondem a processo judicial”).

1) No mínimo, temos direito à informação sobre os processos que os candidatos a cargo eletivo estejam respondendo na Justiça. Se disserem respeito ao exercício de função pública, nem se fala. Mas é importante qualificar, aprofundar essa informação. Qual é o processo; qual a acusação? Quem acusa? Em que ocasião? Por quê? Porque toda pessoa está sujeita a acusações inverídicas, por engano ou por má-fé – que não é muito rara na vida pública... Para prejudicar um adversário político, algumas pessoas lançam mão de qualquer recurso. Sabendo o contexto em que foi iniciado o processo, pode-se formar um juízo mais bem embasado – seja qual for a conclusão final da Justiça.

Portanto, sou a favor da publicação da “ficha”, desde devidamente explicada e contextualizada.

2) Quanto à impossibilidade de disputar eleição enquanto estiver respondendo a processos na Justiça – no primeiro momento, em um impulso, fiquei de acordo. Logo em seguida, lembrei da (óbvia) possibilidade de acusações injustas, e do quanto seria duplamente injusto impedir a candidatura de alguém que depois fosse absolvido, e mudei de idéia.

Em seguida...

[Vou interromper porque tenho de sair agora, ou perco minha carona para o Sarau da Cooperifa. Continua no próximo capítulo]

Médicos e periferia

Muita gente achou estranho eu falar em “médicos da periferia” no debate da Bandeirantes. Vou explicar.

Há anos existe um problema sério de conseguir profissionais de saúde – médicos, principalmente – para trabalhar na periferia das grandes cidades (e nos rincões do país).

Como resolver isso?

Oferecer salário maior ou gratificações em dinheiro para quem se dispuser a trabalhar tão longe é uma providência interessante, mas insuficiente. Às vezes, você não consegue alguém para preencher uma vaga, mesmo oferecendo o dobro. Por que? Porque as condições são horríveis. O prédio está caindo aos pedaços, equipamentos estão quebrados, faltam materiais... Depois o médico não consegue atender direito o paciente e ainda é ameaçado ou agredido (fora outras formas de violência possíveis).

Portanto, tem de haver boas condições de trabalho, claro, e reforço na segurança.

Pode haver também uma ajuda no translado. Para chegar ao trabalho mais descansado, menos estressado, não precisar encarar muitos quilômetros atrás do volante gastando muita gasolina, pode haver um serviço de vans que cumpra determinado roteiro e leve os profissionais de saúde até os postos mais distantes. Essa também é uma medida de segurança – e de estímulo à freqüência e pontualidade. Sim, porque além da falta de médicos, em alguns lugares o problema é que os médicos faltam...

Mas eu acho que a gente não pode aceitar essa situação como natural. Partir sempre do princípio que a periferia é um lugar inseguro, onde é difícil chegar, e que precisa “importar” médicos dos bairros ricos e mais centrais. Péra lá...

Não podemos ficar a vida inteira pensando em como estimular e facilitar a “viagem” dos médicos até os bairros pobres. Temos de pensar em investir na periferia para que ela deixe de ser um satélite do bairro rico; para que na periferia surjam médicos, professores, advogados, psicólogos, dentistas, arquitetos, engenheiros, biólogos...

A prefeitura não tem como seu dever investir em formação de nível superior – alguns até defendem isso. A Marta chegou a anunciar a criação de uma faculdade; há projetos de lei prevendo a concessão de bolsas para ensino superior. Mas a prefeitura tem de primeiro dar conta do que é atribuição sua – creches, pré-escolas, ensino fundamental (CEIs, EMEIs, EMEFs). O estado e o governo federal têm de se ocupar do ensino médio e superior. (Aliás, acho meio absurdo que o estado tenha milhares de escolas de ensino fundamental sob sua responsabilidade. Essa divisão deveria ser mais bem definida).

Mas, continuando, a prefeitura tem de garantir educação infantil e ensino fundamental de qualidade. O estado, melhorar 400% o ensino médio. Para que as crianças e jovens da periferia desenvolvam seus conhecimentos, habilidades, capacidades e sonhos. Para que tenham projetos de vida que contemplem a possibilidade de estudar medicina – e que ela realmente exista.

“Ah, mas isso é uma proposta a longo prazo”. Claro que é! Por isso apontei medidas de emergência para que haja imediatamente mais médicos nas UBS dos bairros distantes (sem falar de outras providências necessárias, porque é óbvio que a Saúde exige inúmeras ações para melhorar). Mas justamente as mudanças de longo prazo têm de começar imediatamente – se a gente não estiver pensando nisso desde já, quando a periferia deixará de ser um lugar pobre, onde há baixa escolaridade e empregabilidade e as pessoas vivem como se não fizessem parte e não tivessem direito a uma cidade rica?