segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Um domingo qualquer

Não saí de casa cedo, já era quase meio-dia. Antes disso, tinha apenas respondido a uma entrevista por email (do portal Gastronomia & Negócios). Mas o dia foi longo assim mesmo...

Fomos até o Jardim Capela encontrar um candidato a vereador pelo PPS. Vale a pena olhar no mapa onde é -- só de Estrada do M’Boi Mirim foram mais de 10 km. Quando já estávamos a um passo de nosso destino, reconheci a rua (“rua” é modo de dizer) onde mora minha empregada. Se já não estivesse atrasada, teria dado um pulo na casa dela (e ela vai me xingar amanhã quando souber que passei tão perto).

Nós achamos longe pra danar, indo de carro em um domingo sem trânsito. Pois a Tânia faz esse caminho (Jardim Capela – Perdizes) TODO DIA, e de ônibus. Uma, duas, três conduções diferentes. Cheias. Anda, pára, anda, pára. Desce, espera, sobe, pára.

E ainda é uma pessoa risonha, bem humorada.

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Caminhamos por um lugar chamado Bananal. Agradável, até – por causa das pessoas, risonhas também, afáveis. Muitas estavam sentadas diante de casa, curtindo o sol do fim da manhã, tomando uma cerveja, olhando as crianças brincando. E como tem criança!

Mas o lugar em si é aquele caos – becos, degraus, ladeiras sem calçamento, entulho segurando o barro, cheiro ruim, encanamento improvisado...

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Lamentei não ter um guia de ruas no carro; deixei o meu no Gabinete. Não adianta apenas traçar o caminho no Google Maps – “Vire à direita na rua tal”. A rua “tal” não tem placa. Ficam os vereadores dando nome pra tudo quanto é rua – o que é freqüentemente esculachado, mas tem mais importância do que parece – e as ruas não têm placa, então o que adianta?

E tem a numeração das casas, que sempre me enlouquece. 24, 25, 297, 5-A, 134... Parece que cada um batizou a sua com o número que escolheu, e só por acaso às vezes se forma uma seqüência.

Com o guia de ruas, dá pra contar: “É a décima-terceira travessa à direita depois da avenida”.

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De lá, fomos para um campo de futebol no Piraporinha. Um lugar parecido com vários outros da Zona Sul, em que uma área grande de terra é cercada por barracos empoleirados na encosta. Alguns mais ajeitadinhos, outros de uma miséria assombrosa. Entrei em um inacreditável; já vi cavernas mais convidativas. A mulher vive de bicos aqui e ali; tem um filho de dez ou onze anos que é uma simpatia. Até outro dia, ele era escoteiro; teve de abandonar porque ela não conseguia dinheiro para pagar suas excursões (“Imagina, custava R$45,00, não tenho”).

Uma moça bonita de olhos tristes veio pedir dinheiro para comprar fralda para o filho. “Só tem uma, to na última”. Nossa cicerone no lugar fez sinal para não dar. Me puxou de lado e explicou: “Se você quiser ajudar, compra as fraldas. Se der dinheiro, ela vai gastar em droga”.

Um homem muito, muito bêbado, no ponto em que mal se entendia o que ele falava, ficou muito, muito feliz de me ver, como se me conhecesse há anos (àquela altura, não estava reconhecendo nem a própria mãe). Ele me abraçou várias vezes, carinhosamente, tentando dizer coisas que eu não compreendia (eu tentava responder às poucas palavras reconhecíveis).

No último dos abraços, abriu a carteira para me mostrar seu RG. Dentro do plástico, a foto de um menino pequeno. “Seu filho?”. Sim, sim, sorriu feliz. E fuçou que fuçou na carteira até encontrar um santinho da Sagrada Família, meio amarrotado, indicando que estava com ele há muito tempo. Deu de presente para mim, Fez efusivas recomendações, acho que para eu me cuidar. Nunca mais vou largar meu santinho.

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De lá, voltamos para a Zona Oeste. Do Jardim Capela até a Ponte Estaiada foram 30 km. Passei rapidamente pelo aniversário de um amigo em Pinheiros; um evento em Perdizes foi desmarcado, então voltamos logo à Marginal para um último compromisso no Grajaú. Ou seja: rumo ao sul outra vez.

Fui ao aniversário do Pagode da 27, um dos muitos eventos que eu tinha assinalado na Agenda Cultural da Periferia. Não fui a quase nenhum deles, mas ainda bem que não perdi esse. O pagode é sensacional, com um jogo de mesinhas montado no meio de uma rua estreita, lotada de gente feliz, calorosa.

Na verdade, devo a minha ida a um outro candidato a vereador, que conhece bem o pessoal de lá e sugeriu, há uma semana, que eu reservasse a noite de domingo para isso. Se não fosse assim, é bem possível que não tivesse ido.

Chegando lá, descobri que ele tinha também um outro convidado: Osvaldinho da Cuíca. Uma glória.

É o tipo de balada que dá vontade de dizer: “TEM de ir”. Muito, muito legal, muito verdadeiro, genuíno. Que bom saber que todo domingo à noite as pessoas – centenas de pessoas – desencanam da televisão e vão pra rua ouvir, cantar e dançar um samba.

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E aqui estou eu, de volta depois de 12 horas e 132 km percorridos no domingo. Missão comprida; missão cumprida.