Eu ia escrever à mão: “Ainda bem que o computador estava desligado quando eu cheguei em casa ontem (ou melhor, hoje), porque tinha tantas coisas na cabeça que ia acabar blogando na mesma hora”.
Não resisti: liguei o computador.
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O parêntesis ali em cima me lembra algumas das gracinhas mais velhas e bobas da humanidade, como dizer “Tchau, agora a gente só se vê no ano que vem!” no dia 31 de dezembro. E criança, quando passa da meia-noite, adora fazer graça: “Até amanhã. Quer dizer, até hoje”. (Ou será que era só eu?). Enfim, cheguei depois da meia-noite, foi isso.
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Na sexta-feira passei por uma provação. O título do post seria “querem me enlouquecer”. Eu tinha um compromisso às 19:00 em uma associação comunitária (União Social Jardim Santana - uma graça, aliás) em Itaquera. Pra facilitar minha vida, arrumaram um motorista e um carro emprestado para ir até lá. Péééssima idéia – ir de carro no sentido centro-leste no fim da tarde de sexta! Da rua Augusta até lá levamos bem uns 80 minutos. De metrô, teria demorado o que, 25? Não é o melhor horário do mundo para pegar metrô – aliás, é um dos piores. Mesmo assim, eu preferiria mil vezes.
Mas tem gente – muita gente – que insiste, acredita em carro como o meio mais confortável, mesmo que seja para ficar um tempão parada dentro dele. A única coisa que eu realmente gosto e sinto falta na moto é de rádio (no metrô, dá para ouvir MP3). Mas, enfim, eu ia com duas pessoas, estávamos cheios de bagagem, então aceitei a carona. Depois de aproveitar os primeiros 15 minutos para resolver algumas coisas por telefone, resolvi ligar o computador para tirar o atraso. Também não passei de 15 minutos – fiquei enjoada e desisti.
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Se eu fizesse uma galeria de fotos dos lugares em que tenho trabalhado no computador nos últimos tempos, ficaria divertido. Sexta à noite foi (dentro do carro) na Marginal Tietê; na segunda-feira, em uma Lan House na Augusta e, na terça, em uma copiadora atrás da PUC. Adorei os dois últimos lugares – concentração absoluta e alto rendimento a R$2,50 a hora.
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O pessoal reunido na associação em Itaquera tinha uma característica marcante: os olhares mais doces que eu já vi ao mesmo tempo em um lugar só. Não sei qual é o segredo, mas eram pessoas que sorriam de um jeito meio triste, muito humilde... Mereciam um livro de retratos em preto-e-branco, daqueles que comovem em qualquer lugar do mundo.
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Depois fomos até uma igreja Batista ali perto, pequena e muito arrumadinha, que estava comemorando um ano de existência. Havia no culto uma banda e um cantor que mandavam muito bem. E as pessoas se entregam com um amor que é tocante. Música é uma coisa de louco – na missa católica, no culto evangélico, no candomblé... Os corais de spirituals nos Estados Unidos... Incrível como mexe com as pessoas. Eu lembro de músicas que a gente cantava nas missas de Dia das Mães no Colégio que arrepiam até hoje. Lindas, lindas.
Tenho uma filha evangélica, mas nunca estive na igreja que ela freqüenta. Sei que ela também ama esse negócio, dedica muitas horas por semana ao trabalho voluntário, cultos, vigílias... É muito importante na vida dela. Quando eu vou a encontros desse tipo, sempre penso nela, nas músicas que ela sabe de cor, nas pregações que escuta... É curioso.
Bom, curioso para ela deve ser me imaginar rezando em tibetano em um templo budista, e pra mim é muito natural.
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Cheguei em casa cansada mas sem sono, e peguei o começo de um filme na TV Cultura: “Perdas e Danos”, com Juliette Binoche (que uma amiga de faculdade, a Stella, chamava de “Juliette Brioche”, porque ela parece um biscoitinho de tão linda) e Jeremy Irons. Um filme angustiante, pesado, perturbador, que indica desde a primeira cena que vai terminar mal. Assisti até o primeiro intervalo e desliguei. (Primeiro a TV e depois eu; às vezes eu desligo primeiro).
Na manhã seguinte, fomos à Pedreira, Zona Sul de São Paulo. Que devia chamar “Zonas Suis”, de tão grande que é, e tão variada. Imagine, Ipiranga é Zona Sul. Fica a dezenas de quilômetros de Socorro, Grajaú, Parelheiros, Marsilac...
Achei a Pedreira uma graça. Claro, quem conheceu o lugar vinte anos atrás e volta a ele agora deve ficar horrorizado com seu crescimento (eu fico assim no Tremembé), mas já me acostumei a ver lugares de São Paulo tão detonados, tão estrangulados por construções amontoadas, que fiquei surpresa de ver um lugar até que espaçado, tranqüilo, com um uma quantidade razoável de verde à vista.
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À tarde, reunião no partido para trabalhar no programa de governo. Parecia um estacionamento de notebooks.
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À noite fui a um sarau em um bar de rock no Capão Redondo. Sarau é um barato, e naquele pedaço da cidade tem vários. Quem começou essa história de sarau foi o Sergio Vaz, poeta, que ainda na época da MTV eu conheci como o coração da Cooperifa. Ele sempre foi de sonhar alto e longe, mas é possível que nem ele esperasse que poesia fosse se tornar algo tão forte na quebrada... O Bar do Zé Batidão ferve nas quartas de sarau da Cooperifa. No dia 15 tem sarau na Casa de Cultura de Santo Amaro (João Dias, 800). E na Fundação Cafu todo último sábado do mês.
No sarau você vê um serralheiro (petista, ele me disse) que tem um caderno com 60 poesias – muito, muito boas! A namorada do “Pastel”, dono do bar, lê um poema do Sidnei (será que é assim que escreve?), que é tímido demais para ir ao microfone, mas também escreve muito bem. Ouve a música de protesto de um professor de biologia da rede estadual. Depois, um rock que deixaria o Eddie Vedder orgulhoso. Vê a leitura de poemas do Drummond, a recitação de Cecília Meirelles e Neruda, letras de música do Lulu Santos (“Eu vejo a vida melhor no futuro...”) e do Chico César (“Amplidão”, que a Elba canta). Declarações de amor e reflexões sobre o Brasil. Comendo pastel e tomando refrigerante (eu) ou cerveja (quase todo mundo).
Eu li a letra que fiz para a música-tema da campanha. Não é nenhum primor de poesia (meu negócio é prosa...) mas eu acredito em cada palavra.
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Antes de ir embora, falei sobre a candidatura. Contei o “sermão” que um amigo fez no meu casamento (um dia eu conto aqui também) e fiz uma paródia da fala dele: “Estamos aqui reunidos no movimento mudar-o-mundo” (a versão dele foi “Estamos aqui reunidos no movimento fazer-feliz-um-ao-outro”). Junto comigo, como nos outros eventos, havia um candidato a vereador pelo PPS. Estava indo tudo muito bem, o pessoal ouviu com atenção e simpatia, até que um rapaz na calçada gritou, como quem fizesse um brinde: “Viva a participação popular”. Eu disse “é isso aí”, mas ele retrucou: “Você não entendeu. Eu não estou concordando com o que você está dizendo”.
Anarquista, e não concorda com a idéia de democracia representativa. Defende a organização e participação direta da população.
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Eu vejo um milhão de problemas na democracia representativa... Precisamos reformar e aperfeiçoar o sistema (especialmente o nosso, que é cheio de distorções) e garantir muitas maneiras de participação e controle popular. Mas no modelo de sociedade que temos hoje, não vejo jeito de ter outro sistema. Há muito que intermediar, muitos interesses conflitantes, muitas necessidades coletivas gigantes... Imagine a coleta de lixo sem governo. Com a prefeitura controlando já rola uma lei da selva...
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A conversa virou um debate ali mesmo – na boa – dei um exemplo hipotético. “Precisa de uma linha de ônibus entre Pirituba e Vila Nova Cachoeirinha. Não tem governo. Como faz?” “Alguém vai lá e cria a linha”. E se ninguém criar? E se muitos criarem e virar uma “guerra” por passageiros? E se criarem e cobrarem muito caro, e depois cancelarem por falta de lucratividade? Perguntei qual era a diferença entre isso e o livre-mercado... Defendi o papel do Estado – para arrecadar e investir, redistribuir, prover, organizar, garantir, controlar.
Ele não concordou não, mas conseguimos discutir civilizadamente, no ambiente acalorado do Bar do Rock.
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Depois ainda deu tempo de ir ao aniversário do amigo do irmão de uma amiga... Sério, eu não sabia de quem era o aniversário, mas queria encontrar minha amiga, que mora no Rio e estaria aqui para a festa. Um lugar muito legal, uma casa com um dos cachorros mais pacíficos que eu já vi, que passeava na pista de dança molemente, indiferente a tudo, como se estivesse sozinho em um lugar vazio. Simpaticão, adorável. Depois eu soube que ele é que o dono do lugar, e deixa a gente usar.
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A semana terminou (bom, ainda não terminou) com saldo positivo no item CDs: o fotógrafo das fotos de divulgação me deu um CD do Kings of Convenience, que eu ouvi na casa dele e adorei; saí do sarau com um disco do Máxima Culpa, “Denúncias e Questionamentos”, um demo acústico do trabalho do Anjos JPM (Jovens Para Morrer); uma coletânea da Umdasul, “Us Qui São Representa”, com produção executiva do Ferréz (outro “culpado” pela paixão pelas letras na quebrada)... Ainda ganhei uma camiseta Umdasul e um adesivo. E não me deixaram pagar o pastel no sarau (“cortesia da casa”). (Xi, será que o TRE vai considerar “doação não contabilizada”?)
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Cheguei em casa e o meu cachorro não estava; para não ficar o tempo todo sozinho, foi passar o fim-de-semana na casa da “avó”. Senti a maior falta... Lembrei do Zé Presidente (o cachorro da festa de aniversário) e pensei que devia haver uma política pública assim: cachorro para pessoas sozinhas!
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Queria tanto acordar às seis pra ver o vôlei... Falô.
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A idéia do “cachorro para pessoas sozinhas” é um pouco fantasiosa – se bem que eu acho mesmo que ia fazer super bem para idosos, crianças abrigadas, adolescente... Mas outras idéias de políticas públicas que me ocorrem são mais concretas.
A linha de trem ao lado da Marginal Pinheiros, por exemplo, é ladeada por grades e não muros. Será que a gente não podia fazer isso também em outros lugares da cidade, que ficam feios e isolados com muros quilométricos?
Na Marginal Tietê, havia meninos atravessando a pista correndo, no sentido margem-rio, com livros e cadernos debaixo do braço – claramente, indo ou voltando da escola. Para onde iam?
Naquele pedaço, há um duto da Sabesp com uma escadinha de trabalho. Provavelmente, atravessariam o rio por ali, e depois cruzariam as outras pistas correndo também. Loucura!
Mas olhe em volta. Cadê o caminho para os pedestres? Andar pela beira da Marginal até a ponte, cruzar as alças de acesso, se espremer na calçada estreita e insegura... É ruim também, e muito, mas muito mais longo.
Há muitos anos a gente encurta caminho para os carros e encomprida para os pedestres.
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Como se vê, eu liguei o computador à uma da manhã – mas não a conexão com a internet. Escrevi e não publiquei... Agora vai.
Fico devendo umas fotos.